POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


Propostas de "autonomia da polícia": atentado à democracia

13/05/2016

Propostas de "autonomia da polícia": atentado à democracia

 Os objetivos da PEC 412/2009

 

 

Todo cidadão honesto deseja que as polícias sejam eficientes, que respeitem as pessoas e ajam com firmeza, quando necessário. A atividade das polícias é extremamente relevante, e elas devem ser valorizadas e capacitadas.

Disso não decorre que, para trabalhar bem, polícias devam ter autonomia do Poder Executivo. Muito pelo contrário, como se verá.

Associações corporativas de delegados de polícia vêm defendendo a aprovação de proposições legislativas para que a polícia tenha autonomia. Uma delas é a proposta de emenda à Constituição 412/2009, da Câmara dos Deputados, conhecida como PEC 412.

A PEC 412/2009, inicialmente, buscava conferir autonomia funcional e administrativa à Polícia Federal e dar-lhe poder de iniciativa orçamentária. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), porém, divulga outra versão da proposta, com alcance muito mais amplo. Pretende:

a) pôr na Constituição a definição da Polícia Federal como órgão dirigido por delegado de polícia, de caráter autônomo e permanente, essencial à justiça, fundada em hierarquia e disciplina para defesa da ordem pública e jurídica, com exclusividade na função de polícia judiciária da União e legitimidade de delegados para atuar em processos judiciais;

b) atribuir à Polícia Federal autonomia funcional, administrativa e financeira, bem como poder de iniciativa legislativa para organizar seus cargos e serviços, definir a política remuneratória e fixar o subsídio de seus membros e servidores.

Quem conhece um pouco a Constituição de 1988 logo percebe que a finalidade da associação de delegados é, claramente, por motivação corporativista, obter tratamento constitucional semelhante ao do Ministério Público, desvirtuando a natureza da polícia e dando-lhe características estranhas à sua função principal de investigar crimes.

Polícia não pode ter autonomia

O Departamento de Polícia Federal é órgão de grande importância e de valiosos serviços prestados à sociedade brasileira, desde a redemocratização do país. Participou de importantes investigações e conquistou respeito na sociedade, na imprensa e na classe política. Valendo-se disso, os delegados de polícia federal (apenas uma fração dos policiais que compõem o DPF) reivindicam autonomia administrativa, orçamentária e financeira para a corporação, a pretexto de prestar melhores serviços.

A proposta é tão sedutora quanto errada, inconveniente e enganadora. Polícias não podem ter autonomia do poder político, legitimamente eleito pelo povo, por várias razões.

Polícia é, por definição, órgão armado. Nisso difere de órgãos cujos membros até podem ter porte de arma, como o próprio Ministério Público e o Poder Judiciário, mas estes não as usam em caráter permanente e necessário para exercício da função.

É inconcebível pretender que órgão armado possa ter autonomia em relação ao Poder Executivo, eleito pelo povo. Polícias, assim como as Forças Armadas, devem, necessariamente, estar submetidas às diretrizes do poder político legítimo. Este, com a representatividade obtida nas eleições, é que deve traçar parâmetros para atuação da polícia e comandá-la, nos termos da lei.

Ao contrário do que afirmam os defensores daquelas propostas, polícia não precisa de autonomia administrativa para exercer bem seu trabalho. Precisa de leis que evitem interferências indevidas do poder político (o que já existe), de recursos humanos e materiais e de permanente capacitação. É verdade que recursos para isso nem sempre existem, mas eles faltam também em outras áreas do serviço público.

Embora a atividade policial seja de alta relevância, há muitas outras funções públicas com importância igual ou superior. Se a polícia reivindica autonomia para funcionar bem, por que o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde ou o Ministério da Previdência também não mereceriam autonomia para funcionar de maneira satisfatória? Por que não as Forças Armadas? Por que não as Polícias Militares, as Polícias Civis e as Polícias Rodoviárias? Por que apenas a Polícia Federal mereceria tratamento especial? Acreditam os delegados de polícia federal apoiadores da proposta que estão em patamar superior aos demais policiais?

Se se der autonomia administrativa a cada uma das áreas relevantes da administração pública, o que o Poder Executivo irá governar? O que seria do poder público, se houvesse dezenas de órgãos autônomos, que não respondessem ao poder eleito? Quem lhes daria coesão e harmonia de ação?

Com a bandeira da autonomia, pode-se vir a criar polícia que não queira controles democráticos. O Brasil deseja uma autarquia armada autônoma?

As propostas de autonomia da Polícia Federal nem mesmo ressalvam o controle externo que a Constituição atribui ao Ministério Público. O Brasil quer polícias autônomas, sem controle do poder eleito nem controle externo do Ministério Público? A quem isso interessa? O Brasil quer Polícias Militares, Civis, Rodoviárias e Federal autônomas, com armas e sem controle democrático?

A simples ideia desse poder armado autônomo mostra que a proposta é não apenas profundamente descabida, mas embute enorme risco para o Estado democrático de Direito.

A PEC pretende também que a polícia possa impor ao Executivo sua proposta orçamentária. Onde está a legitimidade democrática da polícia para impor seu orçamento ao poder de que faz parte? Novamente, por que apenas a Polícia Federal teria direito a esse tratamento especial? Será ela mais importante do que os demais órgãos do poder público federal?

Conceder autonomia à Polícia Federal significa retirar a capacidade do Ministério Público Federal (MPF) de exercer a titularidade da persecução penal, que o artigo 129, inciso I, da Constituição lhe garante. Afeta o próprio exercício da Justiça Federal. Se a Polícia Federal puder investigar apenas o que desejar, com base na pretendida “autonomia funcional”, e não também o que o MPF requisitar que ela investigue, no final somente seriam levados a julgamento os casos que a PF escolhesse. Isso daria poder descabido à polícia e inverteria a lógica de o titular da ação penal poder requisitar investigações e diligências. O órgão controlado (a polícia) passaria a ter o controle do órgão controlador (o Ministério Público).

A Constituição prevê que o MPF exerça supervisão da investigação criminal (artigo 129, inciso VIII) e controle externo da atividade policial (artigo 129, inciso VII). Dar autonomia à polícia poderia significar retirada dessas funções e deixar a polícia sem controle externo. Democracia não convive com poder sem controle, muito menos com polícia sem controles especiais, pela natureza de suas funções e pela histórica vulnerabilidade dessa instituição, em todos os países, à prática de atos de violência.

Atualmente, o controle disciplinar das polícias é feito pelo Poder Executivo, e o controle externo, inclusive controle finalístico, pelo Ministério Público, sem prejuízo dos mecanismos de controle interno das próprias polícias. Se fosse aprovada a PEC, o país poderia vir a ter organismo estatal armado e descontrolado, pois a proposta de emenda não garante permanência dos controles atuais.

Do ponto de vista político, o Poder Executivo, apesar de eleito pelo povo para definir políticas na área da segurança pública, perderia capacidade de fazer isso, pois a própria polícia, de forma “autônoma” (poder-se-ia dizer quase soberana), definiria como agir. Logo se vê que a proposta fere o princípio da divisão funcional do poder (mais conhecido como princípio da separação dos poderes), pois cria órgão autônomo dentro do Executivo.

É o Poder Executivo, não a polícia, que tem dever de prestar contas de suas ações, programas e políticas à sociedade e a seus representantes. O povo, ao eleger presidente da República, governadores e prefeitos, elege, igualmente, suas propostas para a segurança pública.

Mas não é só. Além da atividade de investigação criminal (Constituição, artigo 144, § 1.º, inciso I), a Polícia Federal possui uma série de outras funções, como a prevenção do tráfico ilícito de drogas, do contrabando e do descaminho (inc. II) e o exercício de funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (inc. III). [Obs.: O símbolo “§” lê-se como “parágrafo”.]

Como imaginar que, em todas essas áreas sensíveis, a polícia possa fixar suas próprias diretrizes, sem subordinar-se à definição de políticas do Poder Executivo nem ao controle externo do Ministério Público? É inimaginável que se tenha sequer a ousadia de formular semelhante proposta.

A Polícia Federal é também órgão de inteligência e realiza proteção de autoridades. Dar-lhe autonomia significa que a própria polícia passaria a decidir o que, quando e quanto compartilharia de informações com o Poder Executivo e decidiria a quem daria proteção. Isso igualmente fere a inafastável subordinação das polícias ao poder democraticamente eleito.

Autonomia de polícias é inconstitucional

O Supremo Tribunal Federal (STF) já teve oportunidade de julgar normas que pretendiam dar, em maior ou menor extensão, autonomia a órgãos policiais.

Isso aconteceu, por exemplo, na ação direta de inconstitucionalidade 882/MT, relativa a lei de organização da Polícia Civil do Estado do Mato Grosso. Nela, o STF definiu que:

a) polícias civis integram a estrutura institucional do Poder Executivo e encontram-se em posição de dependência administrativa, funcional e financeira em relação ao governador do Estado;

b) por força da vinculação administrativa constitucional da polícia, a competência para propor seu orçamento anual é privativa do chefe do Executivo.

Raciocínio idêntico aplica-se ao Departamento de Polícia Federal. Órgãos policiais são necessariamente vinculados ao Poder Executivo, pois este é que possui legitimidade democrática para controlá-los. Não pode haver polícias autônomas, sob pena de ofensa à divisão dos poderes e ao próprio Estado democrático de Direito.

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais