POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


Procurador critica autonomia da PF como está sendo proposta

05/04/2016

Procurador critica autonomia da PF como está sendo proposta

 O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, afirmou ser contra a autonomia da Polícia Federal nos moldes da nova campanha, iniciada no dia 9 de março, e que tem coletado muitas assinaturas pelo país afora.

“Não existe isso de polícia independente. Uma polícia autônoma é uma coisa, mas como está sendo colocada é absolutamente inédita. A ANPR é contra a autonomia financeira e orçamentária da forma como está sendo proposta, pois cria uma aberração jurídica”, afirmou Robalinho em entrevista ao blog.

Trata-se da principal associação dos procuradores resistindo a uma proposta da mais prestigiada associação da PF, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). O blog noticiou o início da campanha pela independência no mês passado. Veja aqui.

Atualmente, a Polícia Federal é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça. Na avaliação de setores da PF, a autonomia seria a melhor forma de evitar pressões políticas sobre as investigações, como a Lava Jato.

O jornal “Folha de S.Paulo” noticiou recentemente, após a troca do ministro da Justiça, que o governo estuda mudar o diretor da Polícia Federal em meio às críticas em torno da postura de integrantes da corporação na Lava Jato. O novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, negou a possibilidade dessa mudança no atual momento.

“Desconheço essa interferência que a Polícia Federal acusa. Há muitos anos isso deixou de existir. A PF é um órgão de Estado, tem atuado de maneira técnica, as investigações têm sido feitas de maneira independente. Portanto, não há essa necessidade apontada”, diz Robalinho.

A ADPF defende que seja aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412/2009, em tramitação na Câmara dos Deputados, que estabelece o novo formato de funcionamento. Inclusive, com mandato para o cargo de diretor-geral.

“Não sou contra aprofundar uma discussão para garantir ainda mais a autonomia técnica dos chefes de investigação. Mas uma discussão centrada em uma arquitetura constitucional, tem que discutir a polícia como um todo”, afirma Robalinho.

Nesta entrevista, o procurador explica o motivo pelo qual é contra a autonomia da PF nos termos apresentados pela ADPF. Leia os principais trechos abaixo:

Blog – Como o senhor avalia a proposta de independência da Polícia Federal defendida pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia federal?

José Robalinho Cavalcanti – O Ministério Público é o primeiro que sempre lutará para que não haja interferência nenhuma na autonomia técnica da polícia. Mas isso não se confunde com a autonomia financeira e orçamentária que estão propondo. É uma autonomia semelhante à do Poder Judiciário. Isso não existe. Em nenhum lugar do mundo a polícia tem esse tipo de estrutura. Quero deixar claro que nós não estamos propondo essas alternativas, mas a polícia, em todo lugar, ou é parte do Executivo ou é vinculada ao Ministério Público. Não existe isso de polícia independente. Mesmo o modelo inglês, que eles gostam de usar, porque realmente a Scotland Yard tem um grau de independência muito grande, não é independência no grau que eles querem aqui. Não vejo também porque isso devesse ser uma alteração constitucional. Se é para fazer uma alteração constitucional, eu faço a seguinte reflexão: se a Polícia Federal, que tem autonomia técnica e está fazendo um trabalho seríssimo nos últimos anos, precisa de uma alteração constitucional para ter maior autonomia, com muito mais razão as polícias estaduais devem ter. Não se faz uma mudança de arquitetura constitucional para favorecer só a Polícia Federal. A dos Estados tem uma interferência política muito maior. Não sou contra aprofundar uma discussão para garantir ainda mais a autonomia técnica dos chefes de investigação. Mas uma discussão centrada em uma arquitetura constitucional, tem que discutir a polícia como um todo.

Blog – O FBI não tem uma independência na questão de mandato para diretor?

Robalinho – O FBI está submetido ao procurador-geral da República. É porque lá, nos Estados Unidos, o procurador-geral da República e o Ministro da Justiça são a mesma pessoa. Mas não tem autonomia. Ao contrário, se o procurador-Geral da República determinar a troca de determinada equipe, acontece no ato. Não há nenhuma autonomia do jeito que eles estão querendo colocar. Se você entrevistar os agentes, que representam 80% dos policiais federais, eles vão dizer que são contra. Então, dizer que a PEC 412 é uma reivindicação da Polícia Federal é uma inverdade. Isso quer dizer que o Ministério Público é contra a autonomia técnica da Polícia Federal? De forma alguma. Eu vou repetir a primeira frase que te falei: estaremos do lado da Polícia Federal todas as vezes, não apenas na Lava Jato, mas em qualquer investigação em que houver uma interferência técnica. O primeiro a defender que a Polícia Federal jamais sofra interferência técnica será o Ministério Público. O meu ponto é: desconheço essa interferência que a Polícia Federal acusa. Há muitos anos isso deixou de existir. A PF é um órgão de Estado, tem atuado de maneira técnica, as investigações têm sido feitas de maneira independente, então, portanto, não há essa necessidade apontada. Se os delegados, que hoje são os chefes de investigação, e os nossos aliados em muitas lutas, falam: “a gente precisa de mais garantias”… Ótimo, vamos sentar e ver que garantias são essas. E colocamos na lei. Não há nenhuma necessidade de mudança constitucional. Essa autonomia que eles querem, financeira e orçamentária, não tem nada a ver com autonomia técnica. Eles querem ter uma autonomia do mesmo grau do Poder Judiciário. Se você ler tecnicamente a PEC, a autonomia que eles querem é maior do que a que o próprio Ministério Público tem.

Blog – Há mais alguma crítica a PEC?

Robalinho – Não está claro na PEC como é que ficaria o controle externo da polícia. Em nenhum lugar do mundo a polícia atua sem controle externo. Um órgão que recusa o controle externo, eu tenho a impressão de que você vai criar um monstro jurídico armado, porque essa é a grande diferença da polícia em relação ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Assim como as Forças Armadas, são os dois grandes órgãos armados em qualquer Estado, e no Estado Brasileiro não é diferente. São órgãos com funções diferentes, mas ambos são órgãos armados, que estão na linha de frente de lutas importantes da sociedade brasileira. Eu não acompanho, e não tenho notícia, mas gostaria muito de ouvir dos meus parceiros de luta, os delegados da Polícia Federal, que casos poderiam apontar nos quais a autonomia técnica deles não foi respeitada. Eu, como presidente da Associação dos Procuradores da República, desconheço um único caso sequer.

Blog – Aprovada desse jeito, a PEC é perigosa?

Robalinho – Não vou falar que é perigoso. A PEC só atinge a Polícia Federal, mas não faz sentido. Por mais importante que seja a Polícia Federal. E nós somos parceiros da Polícia Federal, todos os trabalhos da Polícia Federal acabam vindo pro Ministério Público. Conheço muito bem as funções da Polícia Federal mas, em termos de combate ao crime, nós atuamos numa franja específica, tanto nós quanto a Polícia Federal. São os crimes de corrupção contra a União, transnacionais, tráfico de drogas e etc. Mas a imensa maioria dos crimes que atingem a sociedade brasileira, os crimes contra o patrimônio, os crimes sexuais, os crimes de homicídio, são de competência das polícias estaduais. Sem contar os crimes de corrupção, de crimes contra a Administração Pública contra Estados e municípios, que também são, na sua imensa maioria, quando não tem verba da União, de competência das polícias estaduais. Nós todos sabemos que a realidade de interferência política é muito maior nos poderes locais, nas estruturas locais, do que nas federais, por uma série de circunstâncias da democracia brasileira. Então, se a Polícia Federal sente a necessidade de uma autonomia constitucionalmente garantida, com muito maior razão as polícias civis teriam que ter a mesma arquitetura. O modelo de polícia, em todos os países, mesmo quando você tem uma polícia única, a polícia ou está ligada ao Executivo, do ponto de vista orçamentário e financeiro, ou está ligada ao Ministério Público. Uma polícia autônoma é uma coisa, mas da forma como está sendo colocada é absolutamente inédita.

Blog – Mas uma coisa importante para essa autonomia técnica que você está falando: o mandato para diretor?

Robalinho – O mandato de diretor, para mim, é um detalhe, mas pode ser importante. A polícia é algo muito sério, mexe com crimes, tem o direito de agir em nome do Estado, armada e, portanto, precisa de um controle com muito maior motivo do que tem o controle do próprio Ministério Público, que tem controle externo. Esse controle tem que ser diuturno, tem que ser um controle permanente. Então, esse eu acho que é o grande desafio. O que isso tem a ver com esse debate? É que, na hora que você aprofunda a autonomia de um órgão que resiste ao controle externo, que não quer, tradicionalmente, ter o controle externo, na profundidade com que o seu controlador constitucionalmente determinado, que é o Ministério Público, acha que precisa ter, você está aprofundando um modelo autárquico de polícia que não existe em lugar nenhum do mundo. Quando é que isso entra no mandato de diretor? Se você resolve, aí é uma questão de hierarquia do Executivo, eu não vejo por quê não dar maiores garantias de que o diretor não possa ser alterado sem justificativas técnicas. Se isso chega ou não ao mandato, não vejo nenhum impedimento de que chegue ao mandato, desde que você mantenha o controle externo bem resolvido.

Blog – O que é fundamental para a Associação Nacional dos Procuradores da República?

Robalinho – O fundamental é o seguinte: a ANPR é a favor da autonomia técnica da Polícia Federal, mas não vê essa falta de autonomia técnica na realidade atual. A ANPR é contra a autonomia financeira e orçamentária da forma como está sendo proposta, pois cria uma aberração jurídica. A ANPR vê com preocupação a discussão de um modelo de segurança pública que não passa por uma discussão com os poderes estaduais porque, se existe, tem que ser para todo o Brasil. E a ANPR também vê com preocupação a falta de discussão, dentro dessa discussão de autonomia, do controle externo.

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais