reforma da previdência
Rafael Pedrosa, Marta Vieira, Hila Rodrigues e Heberth Xavier
Do Estado de Minas (extraído do Correio Brasiliense)
O governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva escolheu sua sina. Pretende contabilizar, como primeiro grande feito, a ambiciosa reforma no sistema de aposentadorias, capaz de desafogar as contas públicas e desanuviar o caminho para o céu azul do crescimento econômico. Para tanto, precisa convencer o Congresso Nacional a retirar benefícios da fatia mais organizada da sociedade — os servidores públicos ativos e inativos, militares, juízes, procuradores e até mesmo dos próprios parlamentares, todos gostosamente deitados sobre privilégios previdenciários garantidos pela Constituição.
Depois de mapear todos os chamados privilégios do sistema, a reportagem ouviu representantes de cada um dos grupos beneficiados. E fez exatamente a mesma pergunta: você abriria mão de certos direitos para ajudar a fechar as contas públicas? O ‘‘não’’, como esperado, foi onipresente. O que chama a atenção é o tom com que as negativas foram dadas. ‘‘Não temos privilégios’’, diz o major Domingos Sávio de Mendonça, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar de MG, que vai além, muito além: ‘‘Se insistirem em retirar os direitos conquistados, vamos nos mobilizar e partir para uma greve nacional dos militares. Isso é fácil organizar’’.
Exemplos como o do militar mineiro são abundantes entre servidores públicos, ativos ou aposentados, magistrados, professores. A julgar pelo que dizem, a reforma da Previdência vai ficar só no papel. No máximo, será uma reforma ‘‘meia-boca’’ como a feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Buraco negro
Nos últimos quatro anos, os gastos com aposentadorias e pensões para os servidores civis do Executivo Federal cresceram 17%, chegando aos R$ 15,9 bilhões. Entre os militares, a despesa subiu 56%, atingindo R$ 11,5 bilhões. Pressionado pelos colossais desembolsos, o caixa da Previdência registra déficit crescente. A desproporção entre a contribuição dos servidores e o valor pago nas aposentadorias pulou de R$ 19,6 bilhões em 1995 para R$ 72 bilhões no ano passado, conforme estatísticas oficiais.
Há 15 dias, o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini(foto), destacado por Lula para travar a batalha mais renhida das reformas, tocou na ferida ao propor um regime único para os setores público e privado. Recuou exatos quatro dias depois, após a reação em cadeia dos militares e juízes, para que o discurso do governo se unificasse. Foi apenas uma amostra do que espera a administração Lula, se quiser mesmo mexer nesse vespeiro.
Como todo servidor público, militares e juízes têm uma aposentadoria diferente da recebida pelos trabalhadores de empresas privadas. Quando param de trabalhar, recebem o valor integral do último salário da ativa. No setor privado, há um teto de R$ 1.561,56. Os militares, inclusive os PMs pagos pelo caixa dos governos estaduais, recebem ainda como prêmio pela aposentadoria uma promoção para a patente imediatamente superior (e o salário da reserva passa a acompanhar essa evolução). Os juízes, além de terem direito a sair da ativa com o salário integral, podem contar o tempo de contribuição como empregados da iniciativa privada para a aposentadoria do setor público. Todos esses direitos são válidos para os pensionistas dessas categorias — viúvas, por exemplo.
Muito trabalho
O juiz aposentado Cláudio Manoel Figueiredo, da direção da Associação dos Magistrados de Minas Gerais (Amagis), admite ser um privilegiado. ‘‘Será que adquiri um privilégio? Pode até ser.’’ O juiz, entretanto, está longe de abrir mão dos benefícios. ‘‘Nossa carga de trabalho é pesada, e se os benefícios forem drasticamente reduzidos, não teremos incentivo para a carreira.’’
Lula encontrará a mesma disposição se quiser falar em redução de direitos dos demais servidores da União. O presidente da União Nacional dos Servidores Públicos (UNSP), Sebastião Soares, não tem dúvidas de que a retirada de benefícios previdenciários levaria a uma enxurrada de ações na Justiça. ‘‘O Supremo Tribunal Federal (STF) tende a respeitar os direitos constitucionais’’, aposta. Na semana passada, o presidente do Supremo, Marco Aurélio Mello, abalou o mercado financeiro e levou o dólar às alturas, ao dar declarações contra a proposta do governo federal de estabelecer um teto para o pagamento dos servidores públicos — inclusive os magistrados. ‘‘A Previdência só muda com revolução’’, resumiu Mello.
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As Benesses na aposentadoria
Os maiores privilégios estão na contribuição e no valor do Benefício
Os funcionários públicos pagam 11% sobre o salário integral. Isso significa que, se o servidor ganha R$ 10 mil, a contribuição será de R$ 1.100. Os trabalhadores da iniciativa privada também pagam 11% sobre o valor do salário até o teto de R$ 1.561,56. Ou seja, a contribuição máxima é de R$ 171,77.
Os servidores públicos, que têm estabilidade no emprego, recebem o valor equivalente ao do seu último salário, mesmo que tenham entrado na carreira ganhando menos. Os da iniciativa privada recebem um teto de R$ 1.561,56. Se quiserem mais, terão de pagar um fundo de previdência privado.
Militares
Podem se aposentar com o salário integral, e recebem um bônus de quatro salários brutos ao passar para a reserva. A aposentadoria pode ocorrer após 30 anos de contribuição, enquanto o trabalhador do setor privado só pode se aposentar após 35 anos, se for homem, ou 30, se for mulher. Os militares, inclusive os inativos, contribuem com 7,5% do salário e se aposentam com cerca de R$ 4 mil.
Servidores Civis Federais
Podem se aposentar com o salário integral, depois de 35 anos de contribuição, se for homem, ou 30 anos, se for mulher. O desconto previdenciário é de 11% do salário. Mesmo os que saíram da iniciativa privada e contribuiram a maior parte da vida para o teto do INSS, de R$ 1.561, podem se aposentar com o salário integral depois de apenas dez anos no serviço público.
Juízes
Também se aposentam com o último salário da ativa (cerca de R$ 10 mil), custeado pelo Tesouro federal ou estadual. A contribuição mensal é de 11% sobre o salário integral. Podem acumular mais uma aposentadoria como professor. Outra regalia é que os juízes contam o tempo de contribuição como empregados da iniciativa privada para a aposentadoria do setor público.
Professores
Aposentam-se com o menor tempo de contribuição: 25 anos para as mulheres e 30 para os homens. As demais regras são iguais aos dos outros servidores civis.
Senadores e Deputados federais
Até 1997, contavam com um regime especial de aposentadoria, parcialmente custeado pelo Tesouro, organizado pelo Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). O órgão foi extinto, e substituído por um plano que segue as mesmas regras do restante do funcionalismo.
Procuradores da União
O pessoal da ativa contribui com 11% do salário para a
Previdência e se aposenta com R$ 11,8 mil, em média. Como os juízes, podem contar o tempo de contribuição como empregados da iniciativa privada para a aposentadoria do setor público.
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Exemplos do mundo
Há quem considere o sistema de Previdência da França um dos melhores sistemas no mundo. Existem três níveis: o regime básico, um sistema complementar compulsório, associando o valor do benefício à contribuição individual do trabalhador, com a definição de um teto, e um terceiro regime, voluntário. Para que o sistema seja saudável ao longo do tempo, do ponto de vista da relação entre contribuições e benefícios, o segundo nível é considerado essencial.
Na Nova Zelândia, a aposentadoria está associada à qualidade de vida e ao bem estar da população, garantidos por meio de acesso à saúde, educação e outros serviços prestados pelo poder público até o trabalhador se aposentar. Não há vinculação dos vencimentos dos aposentados à contribuições.
A filosofia do sistema previdenciário do Japão está ancorada na estabilidade do trabalhador no emprego e na própria cultura da população de respeitar o idoso. Não há grande participação do setor público, que atua mais na criação de incentivos para o trabalhador poupar dinheiro, com o objetivo de garantir o futuro, como a desoneração de impostos nas aplicações destinadas a esse fim. O regime é vinculado às empresas para a formação de poupança por meio da aquisição de ações da empresa onde trabalha.
Nos Estados Unidos, o regime básico, custeado com recursos públicos, garante benefícios de baixos valores, semelhantes ao salário mínimo, e tem por referência fundos de pensão de diversos tipos e modelos ligados às categorias profissionais. Ao mesmo tempo, atuam os fundos de pensão ligados às empresas. A discussão sobre o equilíbrio das contas previdenciárias tem, hoje, como foco, a sustentação do patrimônio dos fundos num horizonte de 15 a 20 anos.
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