POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


Considerações acerca da Lei Orgânica da Polícia Federal

02/04/2011

Considerações acerca da Lei Orgânica da Polícia Federal Por: Christian Ribeiro Guimarães Passados 67 anos da criação da Polícia Federal, o governo tenta aprovar a Lei Orgânica desta instituição. O Projeto de Lei 6.493/09 do Poder Executivo, além de estabelecer sua estrutura - organograma, carreiras e atribuições - cria órgãos de controle de sua atuação, conselhos incumbidos de supervisionar e orientar os procedimentos policiais, ao mesmo tempo que reafirma sua autonomia investigativa. Num contexto no qual a população e autoridades percebem a necessidade de melhorias na área de segurança pública, parece-me adequado uma discussão ampla e aprofundada sobre o modelo de polícia que interessa à sociedade brasileira. Conforme afirmação do Presidente Lula quanto do encaminhamento do PL ao Congresso Nacional, “interessa ao Estado brasileiro uma polícia de qualidade, com os quadros necessários, agentes com formação acima da média e que seja respeitada pela sociedade” . Ao tratar de inovação em segurança pública no Brasil, Marcos Rolim (2007) comenta que as instituições possuem uma cultura própria que resiste “às modificações mais amplas operadas no contexto social” e que no caso da instituição policial, “o conservadorismo parece ser ainda mais pronunciado”. O PL em trâmite na Câmara parece carregar essa resistência em inovar. Apesar de inúmeras propostas para o aperfeiçoamento e modernização na área de segurança, como aquelas presentes no “Projeto Segurança Pública para o Brasil” e no estudo da SENASP intitulado “Modernização da Polícia Civil Brasileira”, o texto simplesmente reproduz o atual modelo de organização existente na Polícia Federal Tendo em vista que a Direção Geral do órgão empenhou-se em elaborar plano estratégico que analisou os possíveis cenários para os próximos 11 anos e deveria servir de base para o aperfeiçoamento da gestão da Polícia Federal, e dada a ineficiência da atuação policial apontada por diversos autores, seria natural esperar que a proposta trouxesse alguma inovação. Um dos problemas do modelo atual é o que reside no fato da Polícia Federal ser uma organização do tipo burocrática. A Teoria da Burocracia desenvolveu-se dentro da administração ao redor dos anos 40. A burocracia é uma forma de organização que se baseia na racionalidade e, que para conseguir eficiência, precisa detalhar antecipadamente e nos mínimos detalhes, como as coisas devem acontecer. Apesar de buscar a eficiência por meio da racionalidade, a burocracia está sujeita a certas conseqüências imprevistas que comprometem a eficiência da organização. As chamadas “disfunções da burocracia” (CHIAVENATO,2004, p. 268) identificadas pelo sociólogo Robert K. Merton são: 1. Internalização das regras e exagerado apego aos regulamentos As normas e regulamentos se transformam de meios, em objetivos. Passam a ser absolutos e prioritários. O funcionário adquire "viseiras" e esquece que a flexibilidade é uma das principais características de qualquer atividade racional. Os regulamentos passam a ser os principais objetivos do burocrata, que passa a trabalhar em função deles. 2. Excesso de formalismo e de papelório É a mais gritante disfunção da burocracia. A necessidade de documentar e de formalizar todas as comunicações pode conduzir a tendência ao excesso de formalismo, de documentação e, consequentemente, de papelório. 3. Resistência às mudanças O funcionário acostumado com a repetição daquilo que faz, torna-se simplesmente um executor das rotinas e procedimentos. Qualquer novidade torna-se uma ameaça à sua segurança. Com isto a mudança passa a ser indesejável. 4. Despersonalização do relacionamento A burocracia tem como uma de suas características a impessoalidade no relacionamento entre os funcionários, já que enfatiza os cargos e não as pessoas levando a uma diminuição das relações personalizadas entre os membros da organização. 5. Categorização como base do processo decisório A burocracia se assenta em uma rígida hierarquização da autoridade. Portanto, quem toma decisões em qualquer situação será aquele que possui a mais elevada categoria na hierárquica, independentemente do seu conhecimento sobre o assunto. 6. Superconformidade às rotinas e procedimentos A burocracia se baseia em rotinas e procedimentos, como meio de garantir que as pessoas façam exatamente aquilo que delas se espera: as normas se tornam absolutas, as regras e a rotina se tornam sagradas para o funcionário, que passa a trabalhar em função dos regulamentos e das rotinas e não em função dos objetivos organizacionais que foram realmente estabelecidos. 7. Exibição de sinais de autoridade Como a burocracia enfatiza a hierarquia de autoridade, torna-se necessário um sistema que indique a todos com quem está o poder. Daí a tendência à utilização intensiva de símbolos ou sinais de status para demonstrar a posição hierárquica, como o vestuário, localização da sala, do banheiro, do estacionamento, do refeitório, tipo de mesa, etc. 8. Dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público O funcionário está voltado para dentro da organização, para as suas normas e regulamentos internos, para as suas rotinas e procedimentos, para o superior hierárquico que avalia o seu desempenho. Essa atuação interiorizada para a organização leva à criação de conflitos com os clientes da organização que procuram soluções voltadas para suas necessidades. As pressões desse público são percebidas como ameaças à sua própria segurança. Daí a tendência à defesa contra pressões externas à burocracia. Chiavenato (2005, p. 71) afirma que o modelo burocrático apresenta características de rigidez e inflexibilidade, “aspectos que se opõem profundamente à natureza mutável e cambiante do ambiente em que nos dias de hoje ela deve operar e funcionar.” Admitindo-se que a Polícia Federal é uma organização do tipo burocrático, é bem provável que se ressinta de algumas dessas disfunções. Corroborando a percepção de que a estrutura proposta pelo PL não é adequada, o relatório “Modelo de Gestão Organizacional” do projeto “Segurança Cidadã” elaborado por Caulliraux et al. (2004, p. 11) para a SENASP com a apoio do PNUD afirma que “assumir que a organização policial deva ser projetada (ou ‘re-engenheirada’) como uma organização burocrática (tecnicamente falando) é um erro.” Em razão das críticas acima relacionadas e da reconhecida necessidade de inovação no sistema segurança pública, parece ser claro que o projeto de lei orgânica merece ser rediscutido. Para isso vale considerar a proposta de destruição criativa de Joseph A. Schumpeter, na qual a inovação é o processo de criação do novo e destruição do que está se tornando obsoleto. Também devemos nos influenciar por Peter Drucker, o pai da administração moderna, que propõe que a inovação mais produtiva é um produto ou serviço diferente, criando um novo tipo de satisfação, ao invés de uma simples melhoria. Assim, para a construção de uma nova Polícia Federal, devemos pensar no que vem a ser a Polícia Federal, suas atribuições e o que ela deve vir a ser. Tecendo considerações acerca das exigências necessárias à elaboração de uma política de segurança pública na esfera policial, Biscaia e at al. (2003) afirmam que a atual “situação caótica” somente poderá ser revertida com a combinação dos seguintes elementos: 1. profissionais qualificados; 2. equipamentos atualizados; 3. tecnologia moderna; 4. estrutura organizacional adequada à natureza de suas funções; 5. gerenciamento racional, capaz de trabalhar com planejamento, monitoramento e avaliação de desempenho. Em relação ao primeiro elemento, acredito que seja justamente o capital humano o grande diferencial da Polícia Federal. A sólida formação acadêmica dos servidores dessa instituição em diferentes áreas do conhecimento, a experiência profissional na atividade policial e mesmo em outras atividades profissionais, contribui decisivamente para os resultados alcançados. Quanto aos elementos “equipamentos atualizados” e “tecnologia moderna”, ainda há o que ser feito, apesar dos esforços da administração. Num órgão que possui veículos aéreos não tripulados - VANT - não são raras as vezes em que não se possui um computador com configuração atualizada. Mas é justamente nos dois últimos e indissociáveis elementos que a lei orgânica pode ter influência revolucionária. A estrutura organizacional é a maneira como as atividades de determinada instituição são divididas, organizadas e coordenadas. No caso concreto da Polícia Federal, parece de especial importância discutir como são agrupadas as funções e atividades que lhe são afetas em dois tipos: atividades-fim e atividades-meio. As atividades-fim são definidas com o conjunto de operações que uma instituição leva a efeito para o desempenho de suas atribuições específicas. Fazem parte dessa categoria as atividades desenvolvidas diretamente no exercício das funções de polícia administrativa e polícia judiciária. As atividades-meio relacionam-se ao conjunto de operações que uma organização leva a efeito para auxiliar e viabilizar o desempenho de suas atribuições. Na Polícia Federal essas atividades são encontradas em setores como o DLOG, CTI, DGP e suas projeções nas superintendências regionais. Entretanto, cabe esclarecer que atividades-meio também são desenvolvidas em setores de polícia administrativa e judiciária, quando auxiliam diretamente no desempenho dessas funções, caso por exemplo, das atividades de secretaria. Ao tratar das mudanças necessárias nas polícias para a implementação do Sistema Único de Segurança Pública - SUSP - Biscaia e at al. (2003, p. 36) propõe que é necessária a redução do efetivo das polícias militares em funções administrativas. “Pela organização militar, as polícias militares estaduais priorizam excessivamente as estruturas burocráticas dos quartéis.” Conclui afirmando que a redução do efetivo nas funções administrativas aumentará o número de servidores na atividade-fim. Ao analisarmos a ocupação das funções de natureza administrativa da Polícia Federal, do nível estratégico ao operacional, parece ser adequada tal proposta também para este órgão. É nas funções de polícia administrativa e polícia judiciária que se encontram as atividades-fim da Polícia Federal e mais que isso, aí reside a razão de sua existência, sua missão constitucional. Entretanto, apesar de ser tema largamente tratado no âmbito das ciências jurídicas no Brasil, não existe consenso a respeito dos conceitos de polícia administrativa e judiciária . Aqui adoto o proposto pela Rede de Ensino LFG (2011) segundo a qual A polícia administrativa incide sobre bens, direitos e atividades, ao passo que, a polícia judiciária atua sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. Porém, ambas exercem função administrativa, ou seja, atividade que buscam o interesse público. A polícia administrativa é exercida por órgãos administrativos de caráter fiscalizador, já a polícia judiciária, em razão de preparar a atuação da função jurisdicional penal, é exercida pela polícia civil ou militar Nesse mesmo sentido Silva (2011) afirma que não se pode diferenciar o poder de polícia administrativa do poder de polícia judiciária, somente pelo caráter preventivo da primeira e pelo caráter repressivo da segunda, pois tanto a polícia administrativa como a polícia judiciária, possui características do caráter preventivo e repressivo, mesmo que de forma implícita. A melhor maneira de diferenciar o poder de polícia administrativa do poder de polícia judiciária seria analisar se houve o ilícito penal (a polícia responsável é a judiciária), ou se a ação fere somente questões administrativas que buscam o bem coletivo (a polícia responsável é a administrativa). Tal modelo parece mais adequando, entre outros motivos, pois continuaria sendo válido em caso de adoção do ciclo completo para as polícias estaduais. No entanto, a despeito da discussão jurídica, proponho uma nova categorização para análise das atividades-fim da Polícia Federal: 1. atividade de polícia administrativa latu sensu - relacionadas ao poder do Estado de restringir o exercício de atividades licitas, reconhecidas pelo ordenamento como direitos dos particulares, isolados ou em grupo. Alguns exemplos são as funções de Delesp e a maior parte das funções de controle de produtos químicos e imigração. 2. atividade ostensivo-operacional - requerem a ostensividade e/ou o traço principal e caracterizador das polícias, o uso da força real ou por ameaça. Aqui são exemplos o controle de fronteiras, segurança de dignitários, grupo tático, etc. 3. atividade investigativa e de inteligência – relaciona-se à apuração de crimes, à produção de conhecimento para antecipação de ilícitos e assessoramento de tomadores de decisão e outros. Aqui estão compreendidas boa parte das delegacias especializadas, as unidades de análise e unidades de inteligência da Polícia Federal. Vale ressaltar que essa divisão, como qualquer outra, sofre de alguma imprecisão e que existe sobreposição ou zonas cinzentas entre áreas como aquelas que ocorrem entre polícia administrativa e ostensiva e polícia ostensiva e investigativa. Em relação a essa última, ressalte-se idéia exposta em diversos materiais da SENASP: “Apesar de serem vistos como elementos isolados, a investigação policial, os exames periciais e o policiamento ostensivo são uma coisa só: a investigação.” (BRASIL, 2005). Em relação aos grupos de atividade, pode-se observar que somente o ostensivo-operacional e o investigativo e de inteligência são atividades estritamente policiais. De acordo com Bayley (2002), o que define o conceito de polícia é a autorização dada a um grupo por uma coletividade (1) para utilização da força física (2) no âmbito interno (3). Juntamente com esses três atributos, os caracteres público, especializado e profissional demarcam um tipo especial de polícia, a moderna. Quanto à atividade investigativa, ainda cabe apontar que essa atividade envolve três áreas interdependentes de atuação, conforme aponta o projeto de Modernização das Polícias Civis Brasileiras (2005): criminalística ou técnico-científica, investigação operacional e cartorária. Visão essa compartilhada pelo delegado de polícia federal Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, diretor de Assuntos Parlamentares da Associação dos Delegados da Polícia Federal - ADPF - que a expôs durante o II Congresso Brasileiro de Carreiras Jurídicas de Estado ao tratar da multidisciplinariedade da carreira policial. Assim, um projeto de lei orgânica que ajude a construir uma nova Polícia Federal preparada para os atuais e futuros desafios de um ambiente em constante e acelerada evolução, passa necessariamente pelo redesenho de sua estrutura organizacional, pela adequação de cargos e carreiras capazes de desempenhar as várias atividades apresentadas desde os níveis operacionais até os estratégicos. Mas um novo modelo deve ir além e efetivar a integração entre as várias funções existentes dentro da organização. Antes de uma desejada integração entre polícias, poderes e entes federados, desejada pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo , ainda há muito o que fazer para garantir um integração dentro das próprias polícias. Dessa forma, atuando como um verdadeiro sistema , um conjunto de partes interdependentes que funcionam como uma totalidade para um propósito, a Polícia Federal poderá atingir níveis excelência no exercício de suas funções. Christian Ribeiro Guimarães Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999) e é especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança (2010). Atualmente é agente de polícia federal. http://lattes.cnpq.br/0254591451219855 REFERÊNCIAS: BAYLEY, David H.. Padrões de policiamento. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2002. BISCAIA, Antônio Carlos; MARIANO, Benedito Domingos; SOARES, Luis Eduardo; AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Projeto Segurança Pública para o Brasil. São Paulo: Instituto Cidadania, Fundação Djalma Guimarães, 2003. Disponível em: BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ministério da Justiça (Ed.). Preservação de local de Crime. Brasília: Dtcom, 2005. BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ministério da Justiça (Ed.). Modernização das Polícias Civis Brasileiras: Aspectos conceituais, perspectivas e desafios. Brasília: A, 2005. Disponível em: . Acesso em: 28 jul. 2009. CALDAS JÚNIOR, José Tércio Fagundes. Polícia administrativa ou preventiva e polícia judiciária ou repressiva: A Formação do Ciclo Completo de Polícia. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2011. CAULLIRAUX, Heitor M. et al. Projeto Segurança Cidadã: EIXO: “MODELO DE GESTÃO ORGANIZACIONAL”. Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: . Acesso em: 06 ago. 2009. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da moderna administração das organizações. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. CHIAVENATO, Idalberto. Comportamento organizacional: a dinâmica do sucesso das organizações. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. REDE DE ENSINO LFG (São Paulo). Qual a diferença entre polícia administrativa e polícia judiciária? Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2011. ROLIM, Marcos. Caminhos para a inovação em segurança pública no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 1, n. 1, p.32-47, 2007. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 03 dez. 2010. SILVA, Flavia Martins André da. O poder de polícia. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2011. [1] BRASIL. Palácio do Planalto. Projeto de lei orgânica da Polícia Federal é enviado ao Congresso. Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2011. [2] Parte do plano de governo para a segurança pública durante a campanha do Presidente Lula 2002. Com sua eleição, foi adotado como Plano Nacional de Segurança Pública. [3] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. [4] Capital humano é constituído das pessoas que fazem parte de uma organização e colaboram para sua competitividade e sucesso. É composto de dois aspectos principais: talentos (conhecimentos, habilidades e competências) e contexto (o ambiente interno adequado para que os talentos floresçam e cresçam). [5] Para aprofundamento sobre o tema ver Polícia administrativa ou preventiva e polícia judiciária ou repressiva de José Tércio Fagundes Caldas Júnior e O poder de polícia de Flavia Martins André da Silva. [6] Um exemplo são as funções de imigração nas fronteiras e pontos de entrada. [7] Termo utilizado pelo delegado de polícia federal Marcos Leôncio Sousa Ribeiro se refere ao processo de obtenção de dados e informações por meio de técnicas variadas. Apesar de haver referência a essa categoria da investigação em diferentes fontes, os manuais institucionais de investigação não a reconhecem, situando-a na investigação cartorá Fonte: Agência Fenapef

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais