Autoridade, autoritarismo e liberdade de expressão »
Por: Everson Luis Felipe
“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.” - John Stuart Mill, Sobre a Liberdade
Recentemente (13/07/2010) recebi da instância máxima da administração do DPF o indeferimento de um recurso em um processo administrativo. Até aí nada de novo. O fato de ter cumprido dois dias de suspensão e ter os mesmos descontados da folha de pagamento anteriormente ao indeferimento do recurso já era suficientemente claro para mim que o recurso era uma mera formalidade pela qual deveria aguardar para entrar com uma ação judicial, para aí sim, poder explicar para quem pode me ouvir, entender e provavelmente atender.
Para não parecer que o texto está começando pelo final explico o que aconteceu. Em maio de 2009 fui desligado de um curso de Uso Progressivo da Força, realizado em Cuiabá/MT por ter, após uma instrução, feito um comentário que incomodou um instrutor do COT. Fui enquadrado no Inciso I do Art. 43 da lei 4878/65 (referir-se de modo depreciativo às autoridades e atos da administração pública, qualquer que seja o meio empregado para esse fim;).
Comigo no curso estavam mais 3 colegas da mesma Delegacia que por acharem abusiva e autoritária a decisão do “colega” instrutor pediram desligamento do curso.
O fato todo deu origem a um PAD no qual a comissão, ao final dos trabalhos pediu o arquivamento do mesmo. O parecerista da COR do local de instauração sugeriu novo enquadramento e uma advertência. Mandado pra COGER foi agravado com dois dias de suspensão, que foi publicado e imediatamente cumprido em maio de 2010, por determinação da chefia imediata.
Até o momento não consegui entender o motivo dos agravamentos. Baseados em que? Imaginei, erroneamente que se explicasse tudo novamente no recurso seria atendido. Não foi. Qual é a lógica que o Departamento segue? Quem esteve próximo dos envolvidos, tomou conhecimento dos fatos ou das versões achou por bem pedir arquivamento. Então por que alguém de longe, somente com as frias informações do processo achou por bem punir? Foi autoritarismo? Foi para que servisse de exemplo para os demais? Foi preventivamente para coibir futuras manifestações contra a administração? Não sei e não consigo entender o motivo.
Fui oficial do Exército por 9 anos em uma Unidade de Infantaria do Sul do Brasil de onde saí sem nunca ter levado uma punição. Mesmo lá sempre fui muito racional no falar e no agir. Durante muito tempo comandei pelotões de fuzileiro mas nunca participei ou compactuei com trotes como os que sei que acontece e até vi em cursos policiais. No curso do qual fui desligado um cachorro era o aluno “41” e após o desligamento fui simuladamente sepultado, juntamente com os três colegas que saíram comigo, num local com cruzes e outros detalhes que simulavam exéquias. Isso tudo pode? Não é abuso da liberdade de expressão? Falar o que pensa não é?
Na história, não precisa pesquisar muito para ter a certeza que, a marca dos regimes totalitários sempre foi a ausência da liberdade de expressão. O autoritarismo nocivo, retrógrado e lamentavelmente travestido de autoridade ainda existe na sociedade atual e se manifesta quando menos se espera. Na polícia federal não é diferente.
Para haver uma limitação legítima da liberdade de expressão é preciso que o uso desta colida claramente com outros direitos. Caso contrário é censura. Uma boa maneira de determinar se deve ou não haver essa limitação consiste em aplicar o princípio do dano, de Stuart Mill, de acordo com o qual o estado só deve interferir na vida das pessoas para evitar que se cause dano a outras. A aplicação desse princípio permite supostamente traçar uma fronteira entre a liberdade de expressão e o seu abuso.
Na lista dos limites à liberdade de expressão deve figurar também o dever de ser verídico, de procurar não fazer afirmações falsas e infundadas. No caso em questão tenho certeza que não era.
Everson Luis Felipe é agente de Polícia Federal lotado na DPF/CCM/SC e bacharel em Filosofia
Fonte: Agência Fenapef
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