POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


Corruptor de policiais

05/07/2004

Corruptor de policiais NEGÓCIOS DA CHINA
Dono de 600 estandes de venda de produtos pirateados em shoppings de São Paulo (acima) , segundo a PF, Law (foto maior) teria ainda fábricas na China. Abaixo, em seqüência tirada de vídeo feito em uma de suas viagens a Hong Kong, ele vistoria o que seria uma delas




Tido como o maior contrabandista do Brasil, o chinês Law Kin Chong estava prestes a comemorar 25 anos de próspera atividade. Ele ergueu seu império, com faturamento mensal estimado em 50 milhões de reais, graças a uma rede de proteção que lhe custava 5 milhões de reais por mês e era formada por quase 200 pessoas, incluindo fiscais da Receita, policiais militares, civis e federais. Sua prisão, ocorrida no mês passado, além de revelar os métodos do maior esquema de contrabando de produtos piratas do país, deve representar mais uma etapa no processo de autolimpeza a que vem se submetendo a Polícia Federal. De 2003 para cá, ela já prendeu 29 integrantes de seus quadros por crime de corrupção. As investigações do esquema Law prometem render outras detenções. Nas agendas do contrabandista e de seu advogado, a PF de Brasília encontrou o nome de mais de uma dúzia de colegas paulistas, incluindo seis delegados pertencentes à cúpula da superintendência da instituição em São Paulo. Dois deles, Mauro Sérgio Sales Abdo, chefe da delegacia de repressão a crimes fazendários, e Marco Antonio Veronezzi, chefe da delegacia de polícia de imigração, foram afastados na semana passada.

Law Kin Chong, hoje com 43 anos, iniciou cedo a atividade à qual se dedicou por mais de três décadas. Aos 19, comprava relógios contrabandeados no Porto de Santos: descia a serra que separa São Paulo do litoral montado em uma moto modelo CB 400 e, chegando ao cais, remava em um barquinho até alcançar os navios ancorados. Mochila repleta, voltava para a capital, onde tinha como clientes lojistas e camelôs. Aos 20 anos, casou-se com Hwu Su Chiu Law - com quem, até ser preso, morava em uma mansão de muros altos no bairro nobre do Morumbi. A chinesa, que adotou o nome brasileiro de Míriam, é descrita como uma mulher altiva, vistosa e decidida. Segundo a polícia, era ela quem se encarregava de distribuir, por cerca de 600 lojas localizadas no centro paulistano, os produtos que o marido trazia ilegalmente da China. A polícia apurou que a mercadoria - de televisões de plasma a perfumes, passando por relógios e CDs - entrava no Brasil em contêineres desembarcados em diversos aeroportos do país e nos portos de Santos, Rio, Paranaguá, São Francisco do Sul e Vitória. Por Foz do Iguaçu, entravam algumas miudezas. Um policial envolvido na investigação conta que, quando os ônibus de Law, carregados com até 12 toneladas de produtos, chegavam a São Paulo pela Rodovia Castello Branco, já tinham à sua espera uma escolta de policiais federais. O comboio seguia até o prédio de número 181 da Rua Barão de Duprat, que a polícia suspeita pertencer ao contrabandista. Lá funcionam um dos depósitos de Law e, no 7º andar, seu principal escritório.

Até agora, as investigações indicaram que, além do prédio da Barão de Duprat, Law seria o real proprietário de quatro shoppings que ele afirma alugar na região central de São Paulo (cada um abrigando de 100 a 200 estandes de vendas), da empresa Calinda Indústria de Relógios e Brinquedos, com sede em Manaus e em nome de seus irmãos, de um depósito no bairro do Brás, de uma loja de pedras preciosas e de dois estacionamentos em São Paulo, sendo um deles vertical, com 25 andares e capacidade para 640 carros. A PF suspeita ainda que Law seja ele próprio fabricante de muitos produtos piratas que trazia da China. Um vídeo apreendido pelos agentes mostra o empresário em Hong Kong inspecionando uma das fábricas que, segundo indicam as investigações, seria sua.

O jeito frio do chinês, aliado a episódios nebulosos atribuídos à máfia chinesa, rendeu a ele a fama, disseminada no submundo do contrabando e dos policiais corruptos, de sujeito perigoso e vingativo. Nos bastidores da Receita e da Polícia Federal, quando se fala em Law Kin Chong imediatamente vêm à tona dois episódios sangrentos: o assassinato de um auditor da Receita em São Paulo, Hélio Pimentel, em maio de 2002, e a invasão da inspetoria do órgão na capital paulista. O corpo do auditor Pimentel foi encontrado carbonizado e despedaçado dias depois de ele ter participado de uma operação de fiscalização de equipamentos de informática clandestinos no Porto de Santos. Dois dias após o corpo ter sido encontrado, o escritório da Receita onde ele trabalhava foi invadido por cinco homens armados. Houve um tiroteio e um deles morreu. As investigações até hoje não foram concluídas.

Oficialmente, Law vive da sublocação dos estandes localizados nos shoppings que diz alugar. A maioria de seus inquilinos é formada por chineses. Cooptados por meio de anúncios de jornal, assinam contratos de dívidas com prepostos do contrabandista, que cuidam das passagens para o Brasil e dos papéis de legalização. Registrados como sublocadores dos estandes, recebem, segundo a polícia, um salário de 600 reais. O dinheiro das vendas é entregue diariamente a gerentes de Law. Às 19 horas, revela um policial envolvido nas investigações, um motoboy faz a ronda dos shoppings para pegar, com esses funcionários, a féria do dia. Nesse horário, policiais militares pagos por Law promoveriam uma espécie de varredura nas ruas a fim de proteger o motoboy.

Law não foi preso por prática de contrabando, mas por corrupção ativa, flagrado numa tentativa de suborno ao deputado federal Luiz Antonio de Medeiros, presidente da CPI da Pirataria. Em uma série de vídeos produzidos pelo parlamentar, o despachante Pedro Lindolfo Sarlo, um dos homens de confiança do chinês, aparece dando ao deputado o que seria o adiantamento da propina cujo valor total seria de 1,5 milhão de reais - destinados a "aliviar" a situação de Law no relatório final da CPI. Por meio de documentos apreendidos em sua casa, a PF descobriu alguns fatos curiosos: em 1997, Law foi agraciado com o título de Cidadão Paulistano pela Câmara Municipal de São Paulo, por iniciativa do ex-vereador Hanna Gharib, e ganhou também um diploma de honra ao mérito concedido pelo Sindicato dos Servidores da Polícia Federal de São Paulo.

A experiência demonstra que, por trás de um criminoso, muitas vezes está um policial corrupto. A atual direção da Polícia Federal tem dado repetidas mostras de que está firmemente disposta a investir não só no próprio saneamento como também no de corporações afins. Nos últimos dois anos, uma série de megaoperações, incluindo a Anaconda, Setembro Negro, Lince e Lince II, resultou na prisão de 98 policiais - entre militares, civis e federais. Contrabandistas como Law só existem e se perpetuam a partir do momento em que existe e se perpetua uma polícia corrupta. A queda do império do chinês, portanto, pode indicar que as paredes de outro tradicional império, o dos policiais que acobertam criminosos em troca de propinas, começa a apresentar rachaduras.

> "Quero arrastar Medeiros comigo"

Wladimir de Sousa/Ag. O Globo

O DESPACHANTE
Pedro Lindolfo Sarlo, homem de confiança de Law: tentativa de suborno e prisão em flagrante

Preso em Brasília, o despachante Pedro Lindolfo Sarlo, apontado como homem de confiança de Law, aceitou conversar com VEJA. Sarlo tem um idéia fixa: incriminar também o deputado federal Luiz Antonio de Medeiros, a quem acusa de ter "cavado" a tentativa de suborno que o levou à prisão, juntamente com seu suposto patrão. "Tudo o que fiz foi monitorado pela Polícia Federal. Essa é uma estratégia de defesa do Lindolfo, orientado pelo Law", diz Medeiros. Questionado sobre o fato de o nome do deputado federal Michel Temer, presidente do PMDB, constar de sua agenda, Lindolfo se negou a responder. Temer, por sua vez, diz ter conhecido Lindolfo na época em que o despachante se candidatou a deputado estadual pelo extinto PDS, em 1990. O deputado afirma que, desde então, nunca mais teve contato com ele.

VEJA - O senhor tentou subornar o deputado Medeiros?
LINDOLFO - Admito o meu crime: participei de uma extorsão. Mas ela foi promovida pelo deputado. Não fui procurá-lo para tentar corrompê-lo. Quem me procurou foi ele.

VEJA - Para quê?
LINDOLFO - Disse que eu arrancasse 5 milhões de reais do Law. Todo mundo sabe quem é o Medeiros. O próprio Law disse que nunca conheceu um político como ele. Ainda que pegue mais tempo de cadeia, quero levar o Medeiros comigo.

VEJA - O senhor pode informar por que o nome do deputado federal Michel Temer está em sua agenda?
LINDOLFO - Eu me reservo o direito de nada declarar sobre isso.




Fonte: Revista Veja

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais