A Lava-jato e a Lavagem da Memória
"A criminalização da lavagem de dinheiro facilita a investigação e a responsabilização criminal daqueles que, no âmbito da atividade criminal, exercem funções de comando ou de mando. O velho conselho norte americano: siga o dinheiro, e você descobre quem é o chefe e o responsável pelo crime".
E quanto dinheiro! Jamais se viu no Brasil operação policial/ação judicial com tamanho montante de recursos envolvidos. A citação do juiz Sérgio Moro, originalmente atribuída a W. Mark Felt, - ou o "garganta profunda", Vice-Diretor do FBI na década de 70 e informante dos jornalistas do Washington Post que investigaram o escândalo do Water Gate - parece nunca ter feito tanto sentido.
Foi investigando um empreendimento utilizado, para movimentar recursos ilícitos de certa organização criminosa, que se chegou a mais exitosa ação contra a corrupção no país. Os números não deixam mentir. Foram já repatriados R$ 182 milhões, relativos apenas ao acordo firmado por um dos investigados. Há outros R$ 1,3 bilhão bloqueados em contas na Suíça.
No que diz respeito à atuação da Polícia Federal, merecem nosso aplauso todos aqueles que concorreram para o sucesso da operação. Sabe-se que ela só foi possível em razão do empenho e abnegação dos policiais envolvidos. Mas não só. Aqueles que conhecem os bastidores de ações dessa complexidade sabem que referido sucesso somente se concretizou em razão de as investigações dessa espécie serem conduzidas subvertendo-se - felizmente! - a lógica das investigações "ordinárias", levadas a cabo no bojo de inquéritos policiais.
Diferentemente dessas, as chamadas operações de inteligência são profundamente orientadas pela busca efetiva da prova dos fatos delituosos, dentro dos princípios da oportunidade e imediatidade. Não se apresentam nelas os ritos e expedientes burocráticos tão caros à perquirição "cartorial", bem como a sequência intermitente, não concatenada dos atos da investigação, que torna insosso seu resultado final.
Foi se valendo dessa - nada inovadora, haja vista ser há tempos adotada em diversas partes do mundo - metodologia que a Lava-jato ajudou a insuflar a indignação popular contra o governo e contra a corrupção, fazendo com que milhões discutissem o tema por meio das redes sociais, e outros tantos fossem às ruas no último dia 15 de março.
Pena que em meio às legítimas manifestações da sociedade civil, tenham surgido também algumas com dissimulado ou mesmo declarado viés golpista. Seus defensores encaram com ingênua naturalidade os chamados à "intervenção militar", à "volta da ditadura" e outras de similar teor, que claramente atentam contra ordem constitucional vigente, não se sustentando quer jurídica, quer eticamente.
Tivemos mostras, no microcosmo representado pelo DPF e por ocasião do pós-greve de 2012, do quão angustiante e nefasta é a impossibilidade de se emitir opinião sem ser por isso perseguido; do quanto é caro o direito à ampla defesa e a um julgamento justo. Nenhum desses valores é respeitado em regimes de exceção.
Ainda há pouco, evidenciando que o ambiente pouco democrático dentro do órgão em nada se alterou, foram instaurados, no âmbito da superintendência em Minas Gerais, mais três procedimentos disciplinares, todos contra representantes sindicais. Os motivos alegados, como de regra, são tão risíveis quanto o grau dos transtornos causados aos "acusados", todos profissionais sem quaisquer máculas em sua folha funcional até se envolverem no movimento sindical.
Que não se queira então ver generalizada em nossa sociedade, numa versão extremada em arbítrio e violência, a lógica interna que, incessantemente, buscam estabelecer nas relações entre cargos na Polícia Federal: obediência cega, acrítica e sem questionamentos, sob pena de castigos à margem da lei.
Vale, nesse momento de relativa falta de clareza acerca do futuro que nos espera, citar o pensamento de Friedrich Nietzsche:
Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você (Genealogia da Moral).
Paulo Murta é Diretor Jurídico do Sindicato dos Policiais Federais em Minas Gerais
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