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Greve na PF quebra paradigmas da segurança pública no Brasil »

24/09/2012

Greve na PF quebra paradigmas da segurança pública no Brasil »

É impossível fazer uma análise sucinta do pleito dos policiais federais em greve, pois não há espaço na mídia para que a real dimensão dos problemas vividos pelos agentes, escrivães, agentes e papiloscopistas de Polícia Federal (EPA´s) seja apresentada de forma adequada.

 

De forma geral, crê a opinião pública, erroneamente, que a demanda dos EPA´s resume-se a um reajuste salarial. No entanto, nada é mencionado sobre a longa negociação que as entidades representativas dos EPA´s vêm travando com o Ministério do Planejamento, há quase três anos, com o propósito de que sejam reconhecidas as atribuições de nível superior inerentes a esses cargos.
 
A Lei 9.266, de 15 de março de 1996, estabeleceu como requisito de ingresso para todos os cargos de Polícia Federal a formação acadêmica em nível superior. Não obstante, mesmo com o passar de mais de 16 anos da exigência de nível superior para o ingresso nos quadros da Polícia Federal, de acordo com a citada lei, a Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais continuava a descrever os cargos dos EPA´s como de nível médio.
 
Após uma longa negociação e na iminência de serem tomadas medidas judiciais pelas entidades sindicais, finalmente, em março de 2012, foi publicada a última versão da tabela (Caderno 58) [1] , reclassificando esses cargos como de nível superior. Mesmo assim, esse reconhecimento não veio acompanhado da lógica e consequente readequação salarial.
 
Os cargos dos EPA´s são atualmente os únicos que integram carreiras típicas de Estado com remuneração abaixo das carreiras similares de nível superior. Os vencimentos dos EPA´S são inferiores a todos os demais cargos para os quais se exige requisitos de investidura semelhantes.
 
Os representantes das entidades sindicais dos delegados argumentam que a diferença salarial existente no órgão justifica-se, entre outros fatores, pela maior dificuldade da prova do concurso. Entretanto, esse argumento não procede, uma vez que os conhecimentos exigidos no concurso para os cargos dos “não-delegados” são tão complexos, senão mais, quanto os para o cargo de delegado. O concurso dos EPA´s exige conhecimentos interdisciplinares, como contabilidade, administração, informática, economia e finanças, além de conhecimentos jurídicos nas áreas de direito constitucional, administrativo, penal e processual penal.  Isso tudo sem falar, obviamente, de português e cultura geral.
 
A distorção existente dentro do organograma da Polícia Federal contrasta com a realidade de outras polícias federais mundo afora. No FBI (Federal Bureau of Investigation),  a polícia federal americana, por exemplo, as funções de chefia são exercidas por policiais com comprovada experiência profissional, advinda de anos de atuação dentro do órgão e formação adequada na área em que atuam.
 
Em outros países, os conhecimentos jurídicos não compõem a essência do trabalho policial, pois a obtenção de provas para o processo judicial é feita mediante o trabalho interdisciplinar de equipes de investigação, baseado em conceitos técnicos e científicos. Assim, evidencia-se, por óbvio, que a polícia não é formada por juristas, mas por especialistas em investigação.
 
No Brasil, ao contrário, para a assunção de uma chefia, basta que o portador do diploma de graduação em direito seja aprovado no concurso para delegado, mesmo que os conhecimentos esperados para o exercício dessas funções sejam estranhos à formação em Direito. EPA´s, por sua vez, são formados nas mais diversas áreas do conhecimento, como administração, ciências contábeis, biologia, engenharias, direito, informática , dentre outras.
 
Muitos aprovados no concurso de delegado, ao ingressarem na Polícia Federal, assumem, de imediato, postos de comando. Passam a chefiar policiais com anos de dedicação ao órgão, capacitados pela experiência profissional e por cursos na área policial, inclusive no exterior.
 
A formação acadêmica, a experiência profissional e a qualificação técnica multidisciplinar em instituições renomadas não têm tido relevância na Polícia Federal, uma vez que não agregam ao policial a possibilidade de ascensão profissional. Consoante a atual estrutura do DPF, policiais com renomada capacitação e experiência estão sujeitos à chefia de neófitos no DPF e incipientes na atividade policial.
 
Mas por quê? Pelo simples fato de os últimos terem sido aprovados em um concurso com ênfase em disciplinas jurídicas. Essa realidade, de acordo com moderna ciência policial e gerencial, afigura-se como verdadeira aberração, pois privilegia o conhecimento jurídico (teórico e formal) em detrimento do conhecimento técnico nas áreas investigativas. Que modelo organizacional é esse?! É esse modelo que observa a eficiência, um dos princípios constitucionais da administração pública?
 
É fundamental lembrar que após o ingresso de profissionais de nível superior, a Polícia Federal passou a se destacar como um órgão de enorme relevância no combate à corrupção e ao crime organizado. Realizando operações que desarticularam inúmeras quadrilhas alimentadas pelo desvio de verbas públicas, pela evasão de divisas, pelo contrabando e pelo tráfico de drogas. Em que pese o fato de serem os principais atores na produção das provas que levam à condenação daqueles criminosos, os EPA´s não obtiveram do governo federal, e tampouco da sua própria instituição, o devido reconhecimento pelo importante papel que desempenham.
 
Esse absurdo gerencial tem causado enormes prejuízos à  Polícia Federal e, em última análise, à segurança pública brasileira. Desmotivados, insatisfeitos e sem perspectivas de ascensão profissional, agentes, escrivães e papiloscopistas têm deixado o órgão, em busca de horizontes profissionais que valorizem a sua qualificação. Não é novidade dizer que é inerente ao ser humano o anseio pelo crescimento profissional. No entanto, para os ocupantes desses três cargos na Polícia Federal, a oportunidade de crescimento dentro da carreira inexiste, causando um enorme sentimento de frustração.
 
A sociedade brasileira conhece o trabalho da Polícia Federal, através das grandes operações de combate ao crime organizado e ao desvio de verbas públicas. Na imprensa, sempre é veiculado que essas operações são comandadas por delegados. Entretanto, o que não vem a público é que a condução dos trabalhos investigativos, quase que de todo, são desempenhadas por EPA´s.
 
São esses os policiais que detêm o conhecimento dos detalhes técnicos, operacionais e investigativos dessas ações. Muitas vezes, as entrevistas são concedidas somente após os delegados receberem de suas equipes as informações necessárias para as respostas aos possíveis questionamentos da imprensa. Em outras situações, são os EPA´s que tratam diretamente com juízes e membros do Ministério Público as questões relevantes às interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário etc.
 
Após a “deflagração” das operações, são esses mesmos policiais que comparecem nos tribunais para deporem a respeito de detalhes investigativos e operacionais dos trabalhos, embasando assim as provas dos crimes apurados. Mas também se expoem duplamente ao perigo, pois, no tribunal, ficam diante de criminosos das mais variadas estirpes, para acusá-los cara a cara.
 
Argumentam os delegados que, por serem os responsáveis pelas informações contidas nos inquéritos, o cargo por eles ocupado tem maior relevância que os demais. No entanto, os agentes assinam cada uma das informações que constam dos inquéritos e são eles os responsabilizados em caso de inconsistências. Por esse motivo, o enorme cuidado na apuração dos fatos levados a juízo.
 
Outro argumento utilizado pelos delegados para manterem a atual estrutura é a comparação que fazem da polícia com o Poder Judiciário, dizendo que lá, embora analistas e assessores ocupem cargo de nível superior, não se equiparam aos juízes. No entanto, se esquecem que no Judiciário apenas o juiz é magistrado, ao passo que na polícia todos somos policiais. Quando estamos em uma operação policial, estamos todos armados e detemos o mesmo poder de polícia conferido pelo Estado.
 
O que se acabou de dizer não são meras conjecturas destituídas de sentido, pois têm arrimo nas disposições constitucionais, pois assim disciplina o Art. 144 da CF:
 
 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
 
 I - polícia federal;
(...)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (grifo nosso)
(...)
 

Após o § 1º são elencadas as atribuições da Polícia Federal, cabendo elas, portanto, a todo o policial federal, sem distinção de castas. De se ver que de acordo com a Constituição o DPF é órgão estruturado em carreira (singular) e não em carreiras (plural).
 
Em tese, portanto, como a Constituição estatui que o DPF é estruturado em carreira, implica dizer que a todo policial federal é possível galgar o topo do órgão. Premissa essa, no entanto, que não é verdadeira na prática, pois o modelo atual do DPF apresenta carreiras (plural), uma vez que para se assumir chefias é necessário fazer novo concurso. Ou seja, sair do DPF e entrar novamente, fazendo concurso para chefe, leia-se “delegado”.
 
Certamente o constituinte não quis destinar as chefias na Polícia Federal exclusivamente aos delegados. Doutro modo, tê-lo-ia feito expressamente, tal como ocorre com as polícias civis, uma vez que existe previsão expressa no Art. 144, §4º, CF de que estas serão dirigidas por delegados de polícia. Se em relação à Polícia Federal não se deu o mesmo, certamente foi para não se adotar o mesmo modelo das polícias civis.
 
O entendimento de que delegados são as únicas autoridades policiais não tem amparo constitucional e choca-se contra regulamentações infraconstitucionais. A resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 9 de setembro de 2008, que aprova regras para autorizações de escuta telefônica é prova disso. Senão vejamos: o Art. 10 da resolução em comento assim dispõe ao tratar do deferimento da medida cautelar de interceptação.
 
Art. 10. Atendidos os requisitos legalmente previstos para deferimento da medida o Magistrado fará constar expressamente em sua decisão:
(...)
VI - os nomes das autoridades policiais responsáveis pela investigação e que terão acesso às informações; (grifo nosso)
 
A expressão “autoridade policial”, portanto, compreende, de acordo com o CNJ, todo policial federal. Ter entendimento diverso é dizer, com base na resolução do CNJ, que todo policial federal que não seja delegado está desautorizado a trabalhar com intercepção telefônica. O que acontece atualmente é justamente o inverso, pois toda investigação (escuta, análise, diligências pertinentes, relatórios) por interceptação telefônica é realizada por não delegado.
 
As reivindicações dos  EPA´s, como se vê, não são inócuas e não se resumem à simples grita por aumento. O seu pleito tem amparo legal! Fazer-se cego diante dessas graves distorções e ouvidos moucos ao clamor dos EPA´s, quando reivindicam o que lhes é de direito, tem alimentado cada vez mais a gigantesca tensão interna na Polícia Federal, afetando o trabalho em equipe e até mesmo a produtividade dos servidores que não ocupam o cargo de Delegado.
 
Essa situação é agravada por fatos como o ocorrido no último concurso para Agente de Polícia Federal, cujo edital estabelecia como atribuições deste cargo “dirigir veículos policiais, cumprir medidas de segurança orgânica, desempenhar outras atividades de natureza policial e administrativa, bem como executar outras tarefas que lhe forem atribuídas”.
 
O edital não condiz com o que realmente é feito no dia a dia dos policiais que não ocupam o cargo de delegado, pois os EPA´s, informalmente, planejam, coordenam e supervisionam inúmeras ações dentro do DPF. 
 
Esse edital é reflexo das medidas desesperadas que os delegados têm adotado para continuarem a se revestir perante a sociedade com os mantos de autoridades policiais e fazerem-se autores dos trabalhos investigativos conduzidos pelos EPA´s.
 
Salvo o último edital publicado para concurso de delegado, os editais, tanto para os EPA´s quanto para delegados, eram praticamente os mesmos. Para ambos se exigia nível superior para os últimos o curso de Direito. O período para a formação na academia para todos os cargos costumava ter a mesma carga horária.
 
O último edital para concurso de delegado, ao inovar na prova de títulos e na exigência de prova oral, revela mais uma vez como a classe dos delegados está em uma busca desesperada de se diferenciar dos demais cargos da polícia federal através de requisitos para aprovação.  Mas toda a sua suposta superioridade cai por terra à luz dos preceitos constitucionais e das atividades efetivamente realizadas no dia a dia.
 
A comparação entre as atribuições que EPA´s têm levado a bom termo por anos e as dos delegados, bem como os requisitos para a investidura até os dias atuais para os demais cargos de policial federal, revela o jugo injusto que vem sendo impingido aos EPA´s.  Isso torna-se mais cristalino quando se leva em consideração o que preceitua o Art. 39, §1º e incisos da CF que trata da fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório de pessoal.
 
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
 
§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:
I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;
II - os requisitos para a investidura;
III - as peculiaridades dos cargos
 
Já se registrou que toda informação produzida pelos EPA´s durante a instrução do inquérito são de sua responsabilidade, respondendo, portanto, pelas eventuais inconsistências. Diante de eventual incorreção, o delegado lava as mãos e diz que não foi ele quem produziu a informação.
 
Quanta informação há no inquérito que foi garimpada através das investigações desenvolvidas e das diligências encetadas pelos EPA´s? Como fica então a questão do grau de responsabilidade e a complexidade entre os diferentes cargos de acordo os preceitos constitucionais, como anotado acima, para criar o abismo que há entre os atuais vencimentos de delegados e EPA´s?
 
Anote-se ainda que as normas internas do Departamento de Polícia Federal que subjugam a importância do trabalho dos EPA´s, colocando-os em papel subalterno em relação aos ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal, chocam-se frontalmente com a organização da Administração Pública Federal, a qual não estabelece hierarquia entre ocupantes de cargos de provimento efetivo, como ficou assentado no Parecer Vinculante AGU/GQ 35/94 [2].
 
Por outro lado, a sociedade brasileira ainda não mensurou o impacto que a falta de perspectiva profissional e a desvalorização dos EPA´s (não só da Polícia Federal) causa à segurança pública. Realmente, esse debate não alcança o cotidiano das pessoas, que acreditam que é essa a natural estrutura do Departamento de Polícia Federal.
 
No entanto, a polícia não é diferente de nenhuma outra organização que deve trabalhar com uma estrutura organizacional eficiente, que proporcione índices de produtividade otimizados em função da satisfação profissional, da motivação e das perspectivas de crescimento profissional.
 
Como é sabido por qualquer estudante de Administração, uma estrutura injusta, que não valoriza a experiência e a qualificação, gera os problemas ora enfrentados pela PF. Em razão dessa falta de reconhecimento, os policiais mais antigos, quando chegam à classe especial, percebem que há um limiar intransponível na ascensão profissional e serão “comandados” ad eternum por delegados que, não raras vezes, acabaram de ingressar no órgão, sem nenhuma experiência. Anos de experiência, cursos e treinamentos, trabalhos investigativos que requerem conhecimentos técnicos especializados derrocam diante da figura do delegado principiante na polícia federal. Que mais haveria de restar se não a frustração?
 
Diante desse quadro desalentador, que apresenta como única alternativa de ascensão profissional o desligamento dos quadros da PF, muitos bons policiais relegam a atividade policial a segundo plano. Assim, sobra-lhes um tempo para se dedicarem aos estudos, com o intuito de enfrentar novos concursos, para ingresso em outras carreiras.
 
Como se viu, a Polícia Federal é estruturada em carreira segundo disposição constitucional, mas para um EPA progredir dentro do órgão deve primeiro sair dele e prestar novo concurso. Um absurdo organizacional! Quanto a isso, é fundamental destacar que, por mais que se preparem, jamais terão a mesma disponibilidade de tempo daqueles que têm como único compromisso a frequência às aulas de um dispendioso curso preparatório para concursos públicos. O órgão perde, portanto, valiosa mão-de-obra, forjada com o amálgama de experiências e treinamentos de longos anos.
 
Os delegados, por sua vez, sabem que ao se destacarem em suas carreiras têm a chance de ocupar um dos inúmeros postos de chefias, que atualmente só a eles estão reservados na estrutura da Polícia Federal, inclusive a perspectiva de chegar à Direção-Geral do órgão. Além disso, também aos delegados são destinadas as melhores oportunidades de de treinamento e aprimoramento profissional. Tome-se como exemplo os cursos no exterior (mesmo que em áreas eminentemente operacionais), pós-graduações, participação em congressos e simpósios técnicos etc.
 
Foram esses os motivos, pois, que empurraram os policiais federais para a greve e que fizeram com que rejeitassem a proposta de reajuste oferecida pelo governo Federal, pois o que pretendem é a reestruturação de suas desvalorizadas carreiras.
 
Não existe carreira para EPA´s.  A atual greve não é apenas um movimento sindical de cunho corporativista, pois o pleito dos policiais federais representa uma verdadeira quebra de paradigmas na estrutura da segurança pública brasileira. É a busca da estruturação de uma carreira dos que incansavelmente vem atuando de forma relevante na produção de provas das grandes investigações. Imprescindível foi sua participação para elevar a Polícia Federal ao patamar de uma das mais respeitadas instituições no combate à corrupção e ao crime organizado, não só no Brasil, mas também no mundo.
 
 
[2] “A responsabilidade pela direção e chefia incumbe aos titulares dos cargos e funções de confiança, em relação aos quais se aglutinam o poder de mando e o dever de promover a apuração de irregularidades, integrando sistema de controle da legalidade dos atos praticados pelos agentes do Estado, sem estabelecer hierarquização entre as categorias de servidores efetivos. O posicionamento hierárquico deflui da organização estrutural e funcional dos órgãos administrativos a que correspondem feixes de atribuições de cargos ou funções providos em confiança, em decorrência da natureza dos seus encargos. Inexiste subordinação funcional entre os ocupantes de cargos efetivos”.
 
 
 
 
(*) Este artigo foi postado em grupos de discussões e redes sociais, sem o nome do autor.
 

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais