Delegados no lugar de agentes
A greve dos policiais federais, iniciada ontem de manhã, assustou o governo. A adesão atingiu a marca de 70%, segundo a Polícia Federal (PF). É quase o mesmo número fornecido pelos grevistas, 80%. Em alguns estados, como Alagoas, a PF admite que toda a corporação está parada. Oficialmente, ninguém quer se pronunciar, mas dentro da PF avalia-se que uma paralisação superior a 15 dias pode ser um grande problema para o governo, sobretudo porque investigações importantes, como o caso Waldomiro, ficaram comprometidas e serviços como emissão de passaporte estão em ritmo lento.
A paralisação se deve ao descumprimento da Lei 9.266, de 1996, que torna a carreira de policial de nível superior. Com isso, os salários iniciais passariam de R$ 4,2 mil para R$ 7,8 mil. Com a greve, não estão trabalhando papiloscopistas, escrivães e agentes. Esses últimos atrapalham diretamente o andamento das operações, já que não podem ser realizadas diligências, apreensões ou prisões.
Além do caso Waldomiro, estão emperradas a operação Suporte, que combate o crime organizado no Rio de Janeiro, a fiscalização de bingos e o caso Unaí. ‘‘Estávamos no caminho certo das investigações, mas tivemos de parar‘‘, contou um agente do caso Unaí. Ontem, ele assistia aos colegas jogando dominó diante da superintendência da Polícia Federal. A paralisação em Brasília atinge mais de 80% da categoria.
Ontem, a PF comunicou a substituição dos dez agentes que atuavam em Unaí por delegados federais. A idéia é fazer o mesmo em casos do mesmo porte. Porém, até agora, Unaí é o único caso em que delegados substituem agentes. No que refere à operação Suporte, no Rio de Janeiro, a PF admite que a paralisação é total. ‘‘Nosso objetivo é fazer com que todas as operações fiquem paradas por tempo indeterminado‘‘, afirmou o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Garisto.
Em Brasília, a direção da PF tentou argumentar que a greve não atrapalhou as investigações do caso Waldomiro. No entanto, no Rio, o delegado Hebert Mesquita - que é responsável pelos 19 inquéritos sobre irregularidades em bingos - foi obrigado ontem a tomar um depoimento sem a presença de escrivão. Hoje, o delegado terá de intimar por telefone auditores e membros da diretoria da Loterj na gestão de Waldomiro (2001-2002).
Nos inquéritos dos bingos, a PF apura, entre outras coisas, se houve corrupção na Loterj, e por isso intimará auditores que trabalhavam com Waldomiro. O ex-assessor da Casa Civil é alvo de três investigações na PF do Rio. Além dos inquéritos sobre bingos, o Ministério Público Federal requisitou ontem a abertura de um novo inquérito para investigar se Waldomiro cometeu crime de lavagem de dinheiro. Para sexta-feira, estão previstos os depoimentos de dois diretores da GTech à PF em Brasília.
Atrasos
A greve causou problemas também nos aeroportos e atrasou a emissão de passaportes. Em Brasília, o delegado de imigração Rodrigo Guimarães contou que, com a paralisação, os passaportes deverão ficar prontos em uma semana. ‘‘Antes, levava-se apenas 48 horas‘‘, afirmou. Ontem à tarde, a direção da PF também admitiu que a emissão de passaporte está comprometida. Haverá lentidão no tráfego nas fronteiras.
Em São Paulo, a greve dos agentes da Polícia Federal gerou transtornos no aeroporto de Guarulhos. As decolagens atrasaram mais de uma hora e a fila de espera dos passageiros de vôos internacionais chegou ao exterior do aeroporto. Cerca de 7.500 pessoas foram afetadas pela operação, de acordo com a Infraero. O tempo de espera era de cerca de três horas, segundo a Polícia Federal.
Segundo a assessoria de imprensa da Infraero, o desembarque de vôos internacionais da parte da manhã não teve problemas. As dificuldades surgiram a partir das 14h, horário em que começaram a decolar as aeronaves com destino internacional. Onze vôos estavam previstos entre 14h e 17h. Mas apenas cinco haviam partido até as 17h30. O atraso era de cerca uma hora e meia.
Ontem, um grupo de 100 policiais federais decidiu, em assembléia realizada em frente do edifício sede da PF em Brasília, que fará uma manifestação hoje diante do Congresso Nacional. Eles querem uma audiência com o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Os deputados Luciana Genro (sem partido-RS) e João Batista Babá (sem partido-PA) prometem ajudá-los.
Resumo da greve
Quem parou
De acordo com a Polícia Federal, dos 11 mil servidores, mais de cinco mil estão fora do trabalho
Segundo o comando de greve, são oito mil servidores, entre agentes, escrivãos e papiloscopistas
Peritos, delegados e 50% do pessoal administrativo continuam trabalhando.
Reivindicação
Gratificação para os servidores administrativos e equiparação de salários com os delegados, cumprindo a Lei 9.266, de 1996
Salário
Um agente recebe hoje R$ 4.199. Um delegado, R$ 7.788
Serviços prejudicados
Emissão de passaporte
Está suspensa, exceto para emergências médicas
Aeroportos
Os policiais prometem realizar ‘‘operação padrão‘‘, revistando a bagagem de todos os passageiros além de levantar a ficha criminal de cada pessoa. O objetivo é provocar demora e filas
Fronteiras
O mesmo tipo de ‘‘operação padrão‘‘. Um grupo de dez grevistas foi enviado para Foz do Iguaçu (PR) para gerar grande congestionamento na fronteira com o Paraguai
Autoridades
Os agentes que fazem a segurança de autoridades (como ministros e embaixadores) aderiram à greve. Foi mantida apenas a escolta pessoal do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, por ser o superior hierárquico da PF
Grupo especial
O grupo especial de agentes destacado para reforçar a segurança da região Sudeste e intensificar o trabalho de inteligência policial fica desmobilizado
Força de elite
O Comando de Operações Táticas está paralisado, o que prejudica todas as ações de busca e apreensão, além das prisões
Fiscalização conjunta
Não será feita fiscalização ambiental, com o Ibama, nem de trabalho escravo, com o Ministério do Trabalho
O que funciona
Os plantões nas delegacias e prédios da PF
A custódia dos presos
Disputa começou em 2003
A briga entre os policiais federais e o governo Lula começou em julho do ano passado. De um lado, os policiais querem o cumprimento da Lei 9266/96. Do outro, o governo alega não ter recursos para bancar os gastos que a implementação da lei provocará. Como a lei implica mudança da classificação de policiais, de nível médio para nível superior, os salários subiriam de R$ 4,2 mil para R$ 7,8 mil. O Ministério do Planejamento alega que as despesas com a PF aumentariam R$ 800 milhões ao ano.
É por isso que, desde o ano passado, foram abertas várias negociações. Criou-se até um grupo interministerial para discutir o assunto. As conversas vinham sendo realizadas entre os representantes dos policiais federais e integrantes da Casa Civil e dos ministérios do Planejamento e da Justiça. Até então, apesar da falta de avanços nas negociações, o relacionamento entre policiais federais e governo era positivo.
Na semana passada, as conversas foram interrompidas depois que o chefe do gabinete do ministro da Justiça, Sérgio Sérvulo, declarou que o governo não iria ceder. A partir daí, o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federal, Francisco Garisto, decidiu anunciar a greve. Na tarde de anteontem, o Ministério do Planejamento tentou negociar o adiamento da paralisação, mas já era tarde demais.
Ontem, só restou ao diretor-geral do Departamento da Polícia Federal, Paulo Lacerda, editar uma portaria para estabelecer as regras da participação de policiais no movimento grevista. Segundo o documento, os policiais grevistas serão obrigados a entregar suas armas e seus coletes de trabalho. (AC)
Adriano Ceolin
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