POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


HERANÇA DA DITADURA

08/10/2003

HERANÇA DA DITADURA Josias Fernandes Alves*

Da distante Roraima, vêm sinais preocupantes de que resquícios da ditadura militar ainda assombram mentes e corações de servidores públicos, mesmo longe dos quartéis. O presidente Lula, cuja biografia política confunde-se com a história recente do sindicalismo brasileiro, talvez não saiba que no seu governo ainda ocorrem perseguições a sindicalistas.

Preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, por liderar greves de metalúrgicos do ABC paulista, o presidente talvez ficasse mais surpreso se soubesse que tentativas de intimidação, censura e repressão a atividades e manifestações sindicais estejam partindo de autoridades subordinadas ao ministro da Justiça, por ele nomeado.

Não parece outro o objetivo do superintendente regional do Departamento de Polícia Federal em Roraima, Agripino Neto, ao mandar instaurar, no mesmo dia, dois procedimentos disciplinares contra o presidente do Sindicato dos Servidores do DPF naquele Estado, José Pereira Orihuela.

Bem-humorado, certamente Lula riria se tomasse conhecimento do teor das “acusações” que pesam sobre o “subversivo” dirigente sindical da PF de Roraima. Ambos os procedimentos foram motivados por críticas feitas aos administradores de plantão. Numa delas, o presidente do sindicato denunciou publicamente o armazenamento irregular de material explosivo na sede do órgão, o que colocava em risco a vida de funcionários, transeuntes e moradores vizinhos ao prédio.

Outra crítica do sindicalista foi quanto à falta de transparência na escolha de servidores para cursos e viagens de serviço, oferecidos pelo órgão. Como justificativa para os procedimentos, o superintendente alegou que o sindicalista teria se referido a ele “com termos irônicos, pejorativos, difamatórios e caluniosos”.

Ao jornal “Folha da Boa Vista”, o superintendente, embora tenha negado perseguições, confundiu conquistas asseguradas por lei aos sindicalistas com deveres dos servidores. “Ele é agente de polícia antes de ser sindicalista, e se estivesse afastado de suas funções de policial não poderia nem mesmo atuar à frente do sindicato”, comentou o superintendente.

Apesar de sério, o episódio faz lembrar aquela conhecida piada do marido traído que, ao flagrar a mulher com o amante no sofá, tomou a drástica medida de vender o sofá. Em vez de apurar as denúncias, investiga-se o denunciante.

Afinal, nem precisa ser sindicalista, engenheiro de segurança ou membro do Corpo de Bombeiros, para classificar como negligente ou imprudente (para não dizer incompetente e irresponsável) a decisão de armazenar material explosivo – ainda que em caráter provisório – em condições inadequadas e em local de grande concentração de pessoas. Isso os militares sempre souberam fazer direito.

Também não precisa ser estudioso da administração pública tupiniquim para constatar que, pela falta de regras e critérios objetivos, em vários órgãos federais (e também no DPF) servidores são beneficiados e prejudicados por preferências e antipatias pessoais de superiores.

Talvez só em Roraima não ocorram apadrinhamentos e troca de favores, tanto nas escolhas e indicações para cursos e viagens, quanto em nomeações para cargos de chefia, remoções e até no animus puniendi (para usar uma expressão cara aos bacharéis) na apuração das faltas disciplinares.

No cotidiano dos servidores da Polícia Federal, de Norte a Sul do país, sobram exemplos de que aqueles clássicos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ainda não foram plenamente incorporados por uma parcela de seus dirigentes. Talvez sejam resquícios de um passado não muito distante, em que o órgão era chefiado por coronéis formados nas mesmas escolas dos idealizadores do Golpe de 64.

O comentário recente de um delegado federal, ocupante de cargo de chefia, ilustra a crise de identidade provocada pelos ventos democráticos. Com nostalgia, esse antigo delegado lembrava os “bons tempos” em que subordinados jamais ousariam questionar ordens ou atitudes de superiores, ainda que absurdas ou ilegais.

A exigência de nível superior como pré-requisito de ingresso para todos os policiais federais, nessa tacanha visão, colocaria em xeque a harmonia e a eficiência do órgão, que hoje seria supostamente pior (quais seriam os padrões de aferição?).

O delegado não disse, mas é não é difícil deduzir o que insinuou. Ninguém duvida que, numa ótica preconceituosa, de fato, é muito mais fácil controlar e manipular uma “tropa” analfabeta e sem juízo crítico, para manutenção de castas e privilégios. Como se fossem os únicos, os princípios da “hierarquia e disciplina” são os mais evocados por expressiva parcela das autoridades policiais, em especial quanto aos “agitadores sindicalistas”.

Talvez até o presidente duvide que - duas décadas após o ocaso da ditadura militar - ainda paira certo ranço autoritário num Brasil que se quer diferente.

*Josias Fernandes Alves é Agente da Polícia Federal, delegado sindical do SINPEF/MG em Varginha, formado em Jornalismo e estudante de Direito.
E-mail: josias.f@bol.com.br

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais