ARTIGO: Caminho sem volta ou Lei Orgânica
Valacir Marques Gonçalves*
Quando escolhemos uma profissão, um emprego, enfim, uma maneira de sobrevivermos com o nosso trabalho, temos de pensar em muitas coisas, isto é uma questão delicada, às vezes, até influenciada por profissionais especializados em ajudar pessoas a encontrarem suas verdadeiras vocações.
A Polícia Federal abre seus concursos com freqüência dando oportunidade a jovens, e hoje, até a não tão jovens - até aposentados são aceitos - a trabalharem numa atividade diferente, instigante, que leva seus integrantes a conhecer outras cidades, outras culturas e, principalmente, os põe em contato com as fraquezas, os deslizes, e tudo o que o ser humano é capaz, para o bem ou para o mal. Falei até aposentados, porque diferente das forças armadas, a Polícia Federal, é impedida de impor idade e altura.
Depois de enfrentarem uma maratona de exames intelectuais e físicos os candidatos, finalmente, chegam até a Academia Nacional de Polícia, a ANP, para fazerem um curso específico e lá serem formados policiais federais, dali saindo para exercerem a atividade policial nos mais diversos lugares de um país continental.
No final do curso, na lotação dos formandos, já começam os problemas. Ninguém quer ir para lugares distantes, sem recursos, muitas vezes inóspitos. É óbvio que todos os lugares têm que ter policiais para cumprir os trabalhos na região. Alguém tem que ir para lá. Aí chegam as dúvidas e as perguntas. Existe um plano de lotação? Quanto tempo vão lá permanecer? Há uma compensação para quem vai enfrentar tantas dificuldades? Perguntas não faltam. Logo percebem que o que faltam são as respostas. Não existe nada pré estabelecido, daí para a frente será uma longa batalha e, muitas vezes, muita revolta, quando observam, alguns, logo saírem desses lugares. Quando se dão conta estão abandonados e sem perspectivas e, freqüentemente, com a família sofrendo junto toda a sorte de privações.
Mas isto é só o começo. Depois deste início logo percebem algo mais importante ainda. Têm que fazer uma escolha definitiva que vai influenciar suas carreiras para sempre. Existem várias maneiras de exercerem a atividade. Todas são válidas. Nenhuma é proibida. Mas a escolha é muito particular. Envolve muitos sentimentos e estilo de vida.
Existem algumas opções, para identificá-las não precisa muito esforço. Fiquei trinta anos na polícia e convivi com todas. Por favor, não estou criticando ninguém. Apenas revelando uma constatação e procurando transmiti-la às novas gerações, faça uso quem quiser.
Existe o policial pára-quedista. Não gosta de polícia, nunca gostou. O que o atraiu foi o salário e uma maneira de financiar seus estudos para alcançar outra atividade que julga mais atraente. Geralmente é uma pessoa preparada e estudiosa. Olha a atividade com desdém e não dá a mínima para o que possa acontecer com a Instituição. Executa seu trabalho com enfado só pensando em estudar e logo sair. Geralmente é bem nascido e não sabe o que é uma instituição policial. Quando se dá conta que tem poder logo trata de exercitá-lo, exigindo e cobrando direitos, deferências e prerrogativas.
Constatamos também a existência do policial carreirista. Este sabe exatamente o motivo da escolha que fez quando decidiu ser policial. Ocupa seu tempo disponível sempre para estudar, as vezes até remunera colegas para cumprirem seus plantões. É um cumpridor de ordens, admirado por seus superiores por sua dedicação, fidelidade e respeito a qualquer regra, a existente ou que venha a ser criada. Em suma, não está disposto a questionar seja lá o que for, por mais injusto que seja. Está ali para fazer parte da engrenagem e subir na vida, pois o dia chegará para ele exigir também que os outros cumpram “o que está escrito”. Geralmente se dá bem, logo é nomeado para chefiar alguma coisa e fatalmente chega a cargos importantes dentro da instituição.
Existe também o que não está “nem aí” muito menos aqui. Seu negócio é o contracheque. Não estuda, não liga pra nada e nem tem compromisso com nada relativo a polícia. Seu compromisso é só com ele e as atividades que possam lhe render alguma satisfação ou vantagem. Não é necessariamente mau caráter ou desonesto, apenas é descompromissado com seu trabalho. Geralmente está sempre preocupado com o relógio. A hora de sair do trabalho é sagrada, o que não acontece com a chegada. Encontrá-lo para executar alguma missão fora do horário é algo difícil e complicado.
Finalmente chegamos ao policial que ama sua atividade. É o cara vocacionado. Adora ser policial, está sempre pronto pra dar uma cana ou virar noites em campanas. Geralmente emprega parte de seu salário na compra de armas e materiais que a polícia não lhe fornece. É um entusiasta. Para isso paga um preço caro e pouco reconhecido. Viaja bastante, ficando afastado de sua família que reclama sua presença. Quando precisam de alguém para missões delicadas é sempre lembrado, pois larga tudo o que estiver fazendo para dar o melhor de sua capacidade. Seu tempo para estudar é escasso, o que muitas vezes faz com que não atinja cargos importantes, como os alcançados por aqueles que não abrem mão de seus interesses planejados e cumpridos à risca. Freqüentemente encontra colegas que começaram com ele, mas agora, na condição de seus chefes, as vezes, até exigindo tratamento de “doutor”.
Agora quero chegar realmente ao que acho importante. Por que falei todas estas coisas? Não foi pra atingir ninguém. Não tenho interesse em particularizar nada. O que realmente poderia ser mudado são estes comportamentos. Alguém poderá dizer que é impossível, pois cada um vai lutar por seus interesses.
Acredito que a Polícia Federal é mais importante. Se os comportamentos forem mudados quem se tornará forte é a Instituição. Isto só poderá ser feito com uma Lei Orgânica que traga uma uniformidade de procedimentos, que dê um norte desde o início. Não precisamos ter uma uniformidade de pensamentos, mas a unidade de ação tem que ser prevista. Tem que ser normatizada, todos têm de dar sua contribuição de maneira igual e a oportunidade de crescimento tem que ser para todos e isto tem que ficar claro. A Polícia Federal tem que ter em seus quadros quem ame a Instituição, quem a procure para fazer carreira.
Esta carreira tem que estar prevista numa Lei Orgânica aprovada por consenso. Não pode refletir a opinião de uma minoria preocupada apenas em manter poder e privilégios através de carreiras estranhas a atividade policial. Não podemos admitir que alguns entrem no meio da carreira, que alguns consigam altos postos por meio de protecionismos, pistolões ou bajulações. A atividade policial é peculiar, lida com vidas humanas, só o brilhantismo acadêmico não é suficiente. A experiência não pode ser descartada, é óbvio que as duas têm que estar juntas, é óbvio que quem ter que ser dar bem na polícia são aqueles que a amam.
Por isso não concordamos que a Lei Orgânica, aprovada por representantes de todas as categorias, esteja agora, sendo revisada antes mesmo de sua implantação. Ela previa a correção de muitas diretrizes, dando oportunidade a todos. Previa uma carreira para os que merecessem, com regras claras e justas. Enfim, regularizaria tudo aquilo que os policiais bem intencionados reivindicam a tantos anos, fazendo com que todos, desde a Academia, soubessem o que estava lhes esperando. As regras atuais são um caminho sem volta, com perda de prestígio, brigas internas e um enfraquecimento inaceitável, pois chegamos ao ponto de ter de convocar policiais aposentados. Nada contra os mesmos, mas seu tempo passou. A polícia tem que crescer com novas idéias e pessoas com horizontes e com vontade de vencer na profissão que abraçaram. Quem quiser seguir suas próprias leis que o faça mas as melhores oportunidades têm que estar reservadas para pessoas que gostem da atividade policial, que queiram confundir suas vidas com a Instituição.
*Valacir Marques Gonçalves é Agente de Polícia Federal e bel. em Direito e Jornalista
E-mail: vala1@uol.com.br
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