POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


A polícia como modo de vida

19/05/2003

A polícia como modo de vida Seria um antitruísmo negar que as coisas não estão mudando e que o País não está "avançando". É claro que tudo muda na face deste maravilhoso mundo de Deus (e, às vezes, do Diabo), embora muitas coisas sejam feitas do mesmo modo. É mais fácil mudar uma camisa do que uma perspectiva, pois a primeira é usada em cima do corpo, ao passo que a segunda está dentro da nossa cabeça.

Veja, por exemplo, o modo pelo qual nós enfrentamos os nossos problemas. Em geral, nossa tendência é a resolução teórica e abstrata, de preferência desembocando no legal. Diante do descalabro ou da vergonha, escrevemos ensaios eruditos e clamamos ao Estado por uma solução que deve chegar por meio de uma lei, decreto ou portaria. Ao contrário de outros povos que vão do caso concreto para o princípio geral, gostamos de discutir o mundo fazendo exatamente o inverso. Invocamos princípios gerais e navegamos partindo do universal para chegar ao particular. Se um caso não se coaduna com a lei, apelamos para o jeitinho que é o modo mais fácil de ajustar as normas à realidade das coisas, pessoas e, sobretudo, relações. Por isso, somos um tanto míopes relativamente à ética, mas muito espertos quanto ao conhecimento de regulamentos, leis, constituições e normas em geral.

Quando eu era um jovem professor e freqüentava um nobre conselho de uma importante universidade federal, cansei de ouvir colegas mais velhos invocando as normas da "casa" indicando que, "de acordo com a regulamentação em vigor, a questão estava resolvida" quando o nosso debate era exatamente sobre o problema que estava ali desafiando as normas, diante de nós.

Somos mais de fazer poesia e manifestos do que de meter a mão na massa e, convocando vizinhos, amigos e colegas, resolver o assunto como cidadãos livres e bem-intencionados. Dona Maria varre o lixo de sua calçada e joga o detrito no terreno do vizinho. Ao ver mendigos dormindo na portaria do nosso edifício, culpamos imediatamente o "governo".

Tome-se, por exemplo, o caso da polícia. Até as autoridades consentem que a situação está fora de controle. A bandidagem se aperfeiçoa, mas a polícia continua paralisada por velhos problemas, entre os quais se inclui a corrupção, salários baixos, relação promíscua com bandidos. A polícia conta com pouco apoio da população em geral. Numa sociedade, as pessoas tendem a prestar contas vertical e não horizontalmente; isso predispõe à punição do pobre, do negro e do destituído. Tudo se passa como se a polícia ajudasse a confirmar essa gigantesca discriminação para baixo que caracteriza o sistema brasileiro. Para nós, tradicionalmente, o criminoso é sempre um inferior porque os superiores - que diga o ACM e outros - estão sempre acima da lei.

Some-se a tudo isso, também, o fato de termos muitas polícias o que - coisa providencial para os criminosos - dificulta a atribuição de responsabilidade em todos os níveis.

Mas, pergunto eu a mim mesmo e ao leitor: como você iria se sentir se seu filho lhe dissesse que gostaria de ser policial? Como você - bacharel, branco, de classe média, morador num bom apartamento em bairro nobre - reagiria se seu rebento lhe confessasse ter uma irresistível vocação para investigar, vigiar e eventualmente engaiolar criminosos e bandidos? Que para ele (ou ela) a tarefa mais importante deste mundo é fazer cumprir a lei e ordem?

Como você reagiria se, de repente, dentro de sua casa naquela boa hora de tomar o cafezinho, surgisse um filho com o projeto de ser policial, apresentando o "policiar" o seu meio de vida e da polícia um modo de ver o mundo?

Será que você argumentaria que "isso não é uma profissão para você"; ou que "seu pai é avesso a violência"; ou que "esse meio corrompe"; ou que "ser policial é como ser criminoso, só que se está do outro lado"; ou que "é inútil perseguir o crime, pois ele não tem remédio"; ou que "mamãe vai ficar muito preocupada pelos riscos"; ou que "isso não é vida para gente como nós"; ou que "é terrível andar armado"?

Obviamente que eu não tenho uma resposta precisa. Mas imagino que a maioria das pessoas com o perfil desenhado acima tome essa "vocação para polícia" como importante, mas, no limite, imprópria para "gente como nós". Se isso se confirma como verdadeiro, então não será ao acaso que certos setores da sociedade brasileira estejam tão desprestigiados juntos ao público. Um desses setores é o dos "políticos"; outro é, sem dúvida, o da polícia.

Como fazer para mudá-los, senão observando os nossos preconceitos contra essas profissões? Como ter policiais honestos se as pessoas honestas não querem seus filhos naquela corporação e duvidam de sua integridade? Outro dia um dos meus alunos americanos me disse que iria ser policial. Ia entrar numa Academia de Polícia e sair às ruas representando a lei e a ordem.

Fiquei tão admirado com essa manifestação vocacional e com o meu óbvio preconceito que resolvi escrever esta crônica.


fonte - O Estado de São Paulo

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais