POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


Crimes prescritos: Procurador defende que MP comande IPL‘s

02/05/2003

Crimes prescritos: Procurador defende que MP comande IPL‘s "Vale a pena cometer crimes federais no Brasil." A conclusão é do procurador da República em Mato Grosso, João Gilberto Gonçalves Filho. Ele afirma que mais de 90% dos inquéritos policiais que passam por suas mãos estão com os crimes investigados prescritos e que isso "coroa a impunidade" no país.

Por isso, Gonçalves encaminhou petição ao presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pedindo a revogação de um provimento que "restabeleceu o patológico procedimento de tramitação de inquéritos junto ao Poder Judiciário."

Segundo Gonçalves, "a Polícia Judiciária nunca consegue findar um inquérito no prazo legal". Ele sustenta que as investigações devem ser comandadas pelo Ministério Público, que "tem muito mais independência para exercer tal atividade".

Leia a íntegra da petição:

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região.

João Gilberto Gonçalves Filho, Procurador da República no Estado de Mato Grosso, sem abstrair a sua condição de membro do Ministério Público Federal, mas fundamentalmente como cidadão brasileiro, valendo-se do direito de petição que lhe outorga o artigo 5, inciso XXXIV, letra "a" da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, vem à presença de Vossa Excelência expor e requerer o quanto segue.

1. Tenho pouco tempo de Ministério Público Federal. Embora ainda devesse estar deslumbrado com as pompas do cargo, o exercício cotidiano da minha atividade vem alimentando a frustração de ver a total incapacidade dos órgãos públicos para darem vazão às inúmeras responsabilidades do Estado. Dentre tantas dúvidas sobre os caminhos para alterar esse quadro, uma certeza, infeliz, já tenho firmada: vale a pena cometer crimes federais no Brasil. Vivemos a tragédia de uma sociedade em que o crime compensa.

2. Sem brincadeiras, sem nenhum exagero, posso lhe assegurar que mais de 90 % (noventa porcento) dos inquéritos policiais que passam pelas minhas mãos estão com os crimes investigados prescritos. Essa assustadora realidade não é só minha ou só do Estado de Mato Grosso; viceja Brasil afora, ao que pude constatar pelo contato com os demais colegas através de nossa rede interna de e-mails.

3. Diz a doutrina que o inquérito policial é procedimento administrativo que se presta a colher elementos de prova, servindo ao Ministério Público para que promova o ajuizamento da ação penal. Tenho já um outro conceito, mais apropriado à nossa praxe forense: inquérito policial é instrumento que solenemente coroa a impunidade em nosso país.

Anacrônico, demasiadamente lento, repleto de inúteis burocracias, o inquérito policial vem se mostrando excelente protetor da criminalidade, fiel promotor da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição. Embora a lei processual penal estabeleça o prazo máximo de 30 (trinta) dias para a sua conclusão, a maioria dos inquéritos que tenho visto foram instaurados há mais de cinco anos, alguns há mais de dez anos, e ainda estão tramitando. Nossa lei nesse aspecto é boa, o problema é ser escancaradamente desrespeitada.

4. Ideal seria que toda investigação criminal fosse comandada diretamente pelo Ministério Público, tal qual ocorre nos Estados Unidos. Polícia Judiciária subordinada ao Ministério Público. Estrutura material e pessoal da Polícia Judiciária transferida para o Ministério Púbico. Policiais Civis e Federais servidores do Ministério Público.

Se o objetivo da polícia judiciária é investigar crimes, função hoje mal e porcamente desempenhada pela Polícia Civil, nos Estados Federados, e pela Polícia Federal, como órgão da União, nada mais coerente que essas investigações ficassem sob a incumbência de quem recebeu a atribuição constitucional de promover privativamente a ação penal. Tendo o dever de promovê-la, soa natural que a preliminar coleta de provas, objetivo teórico de um inquérito policial, devesse ficar sob seu absoluto controle.

5. Além de suas responsabilidades como órgão acusador, o que por si justificaria o comando das investigações, o Ministério Público tem muito mais independência para exercer tal atividade, sendo menos insuscetível às ingerências políticas do Poder Executivo e a pressões do alto empresariado, sem mencionar que poderia controlar melhor o trabalho hoje feito pela polícia, estando mais presente para refrear o seu histórico de abusos e corrupções.

Ao Poder Executivo restaria a polícia administrativa, hoje basicamente desempenhada pela Polícia Militar nos Estados, e poderia haver uma Polícia Federal Fardada, como uma polícia militarizada da União, com o objetivo de garantir a preservação da ordem pública, realizando o policiamento ostensivo e garantindo a ordem em situações de tumulto social (removendo manifestação ilegal em uma estrada, retomando a ordem num presídio em rebelião, etc.).

6. Enquanto o Poder Legislativo não acorda para esta realidade e não promove as reformas necessárias para a implementação desse sistema ideal, o Judiciário deve fazer o que estiver ao seu alcance para minimizar o caos atual. Neste sentido é que lhe escrevo, procurando alertá-lo sobre o mal que tem causado o provimento 86/2000 deste Egrégio Tribunal, que revogando os provimentos 47/96 e 61/98, restabeleceu o patológico procedimento de tramitação de inquéritos junto ao Poder Judiciário. Eis o teor deste normativo:

PROVIMENTO Nº 86, DE 10 DE JULHO DE 2000.

Revoga os Provimentos nºs 47/96 e 61/98, que tratam sobre distribuição de Inquérito Policial na Justiça Federal de 1ª Instância da Primeira Região.

O SENHOR JUIZ ANTÔNIO AUGUSTO CATÃO ALVES, VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO e CORREGEDOR DA JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA DA PRIMEIRA REGIÃO, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 23, do Regimento Interno do Tribunal, e 5º, do Regimento Interno da Corregedoria,

CONSIDERANDO o princípio constitucional da reserva legal (Constituição Federal, arts. 5º, II, e 37, caput), uma vez que não compete à Corregedoria dispor sobre matéria processual;

CONSIDERANDO que o art. 10, § 1º, do Código de Processo Penal, dispõe que "a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente";

CONSIDERANDO que novas diligências para elucidação do fato deverão ser requeridas ao juiz competente, que marcará prazo para sua realização (Código de Processo Penal, art. 10, § 3º);

CONSIDERANDO que as diligências requeridas pelo Ministério Público, ainda que imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, dependem de requerimento ao juiz competente, que poderá deferi-las ou não (Código de Processo Penal, art. 16);

CONSIDERANDO que, no Supremo Tribunal Federal, o Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.579-6/DF negou seguimento ao pedido (Diário da Justiça de 25/6/98, Seção I, pág. 15), mediante despacho, ao fundamento de que "a falta de qualificação da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil-ADEPOL para, como "entidade de classe de âmbito nacional", propor ação direta de inconstitucionalidade foi afirmada pelo Plenário, revendo entendimento anterior, na ADIn 23, Moreira Alves, 2.4.98, e reafirmada na ADIn 1189, mesmo à luz da reforma de seus estatutos", o que não se confunde com o mérito do disposto nos Provimentos nºs 47/96 e 61/98, RESOLVE:

Art. 1º - Ficam revogados os Provimentos nºs 47, de 12/11/96, e 61, de 29/6/98.

Art. 2º - Este Provimento entrará em vigor no dia da sua publicação.

Publique-se. Registre-se. Cumpra-se.

Brasília, 10 de julho de 2000.

Juiz CATÃO ALVES

VICE-PRESIDENTE E CORREGEDOR

7. Vamos então falar sobre o que significa, na prática, a aplicação do Provimento 86/2000, ora impugnado. Como a Polícia Judiciária nunca consegue findar um inquérito no prazo legal, chegado o seu termo ela pede prorrogação de prazo. Recebidos os autos da Polícia com o pedido de prorrogação do prazo para conclusão do inquérito, o Judiciário manda-os ao Ministério Público para que se manifeste.

Aqui batemos um carimbo em que nos manifestamos pela concessão de prazo para que a Polícia conclua o inquérito. Voltam os autos à Justiça e lá recebem um despacho padrão, concedendo-se o prazo, conforme manifestação do Ministério Público.

Retornam então os autos à Polícia para conclusão do inquérito. Esquematicamente: Polícia > Judiciário > Ministério Público > Judiciário > Polícia, tudo para pedir a prorrogação do prazo. Considerando que o inquérito, junto ao Judiciário, entra na fila dos despachos, essa jornada chega a levar uns três meses.

Antes a concessão de prazo era dada diretamente pelo Ministério Público, como deve acontecer num sistema penal acusatório. Hoje temos muito mais tempo gasto com a tramitação burocrática do pedido de prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito do que efetivamente com investigação de crime, que é a razão pela qual existe esse espúrio procedimento.

Passa-se mais tempo transferindo os autos do inquérito entre Polícia, Ministério Público e Judiciário do que realizando diligências policiais para a investigação de crimes. São corriqueiros os casos em que passam mais de dois anos sem que uma única diligência seja realizada pela Polícia Judiciária. Mal se esgota o prazo em seus escaninhos e lá vai o inquérito para mais uma dessas peregrinações.

8. Com efeito, a situação estava longe de ser satisfatória enquanto o inquérito tramitava diretamente entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Ocorre que piorou muito com a edição do Provimento 86/2000, tornando a persecução penal mais lenta e por isso mais propícia à prescrição. Este diploma, além de instrumento auxiliador da impunidade, toma o tempo precioso dos assoberbados juízes, que precisam despachá-los, e cria gastos desnecessários com a movimentação dos autos.

9. O provimento 86/2000 atenta contra o princípio constitucional da eficiência, disposto no artigo 37 da CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A atuação judicial durante a tramitação do inquérito não traz nenhum benefício, apenas toma o tempo dos magistrados, retarda o moroso procedimento e consome dinheiro público. No sistema penal acusatório inaugurado pela Carta de 1988, deve-se ter presente duas premissas, firmemente consolidadas pela jurisprudência pátria: 1) o magistrado não pode negar a prorrogação de prazo solicitada pela Polícia se o membro do Ministério Público, destinatário das investigações, entende que elas devem prosseguir; 2) também pela sua qualidade de propulsor da ação penal, as diligências que requisitar da autoridade policial não podem ser indeferidas pelo magistrado. Ou seja, é meramente figurativa a participação do Judiciário nesse trâmite ordinário do inquérito. O Provimento 86/2000 impõe aos juízes uma função de meros despachantes em procedimento administrativo, transforma-os em burocratas na mais pejorativa acepção da palavra, subtrai-lhes o tempo e a concentração necessários para o exercício de sua nobilíssima e autêntica função jurisdicional, que é a de julgar. Se houvesse a tramitação direta dos inquéritos entre Polícia Judiciária e Ministério Público, como antes havia com os provimentos revogados, os autos iriam a Juízo apenas quando fosse necessário ser proferida uma decisão judicial, em situações sob reserva jurisdicional, a exemplo de pedidos de prisão provisória (CF, art. 5, inciso LXI), busca e apreensão domiciliar (CF, art. 5, XI) ou interceptação telefônica (CF, art. 5, XII).

10. Atento a essa realidade, o Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região assim dispôs sobre essa matéria:

Consolidação de Normas da Corregedoria Geral da 2ª Região

(PROV. 001 de 31 de janeiro de 2001)

Atualizado até o Provimento 002/03CG - TRF 2ª Região

PROVIMENTO Nº 01 DE 31 DE JANEIRO DE 2001

CAPÍTULO IV

PROCEDIMENTOS PENAIS
Seção I

INQUÉRITO POLICIAL

Art. 196. A tramitação dos inquéritos policiais e peças de informação, previamente registrados e distribuídos, se fará, diretamente, entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária.[346]

Art. 197. Somente serão submetidos à apreciação do juiz competente os inquéritos policiais e peças de informação quando houver:[347]

I- denúncia ou queixa;[348]

II- pedido de arquivamento;[349]

III- procedimento instaurado, a requerimento da parte, para instruir ação penal privada e que deva aguardar, em juízo, sua iniciativa (art. 19, do CPP);[350]

IV- requerimento ou representação de medidas cautelares, tais como prisão provisória, busca e apreensão, seqüestro, afastamento de sigilo bancário, fiscal ou de comunicações, restituição de coisa apreendida, prorrogação de prazo para conclusão de inquérito policial nos casos de réus presos, produção antecipada de provas e outros.[351]

Parágrafo único. Independerá de apreciação judicial a prorrogação de prazo nos inquéritos policiais em que não houver indiciado preso.[352]

11. Se a sociedade tem dúvidas sobre como prospera a impunidade, aponto o Provimento 86/2000 como um dos seus responsáveis. Longe de ser o único, é mais um dentre tantos nós de estrangulamento do sistema de persecução penal, não havendo razão plausível para subsistir.

12. Diante do exposto, requer-se seja a presente petição submetida ao competente procedimento regimental e, ao final, seja revogado o Provimento 86/2000 deste Egrégio Tribunal, restabelecendo-se os que foram revogados, ou então criando-se outro provimento, mais consentâneo com a CONSTITUIÇÃO FEDERAL e com as necessidades sociais.

Cuiabá, 23 de Abril de 2003.

João Gilberto Gonçalves Filho

Procurador da República

Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2003

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais