A CAIXA-PRETA DAS REMOÇÕES
No que diz respeito à administração de pessoal, um dos temas mais obscuros no âmbito do Departamento de Polícia Federal (DPF) é a chamada "política de remoção" (ou seria a falta dela?). O assunto é antigo, mas reveste-se de interesse atualíssimo. Em especial, para aqueles servidores lotados nas distantes, e quase sempre inóspitas, regiões de fronteira, de Norte a Sul do País.
As distorções começam na definição de vagas disponíveis aos recém-formados na Academia Nacional de Polícia. Não raro, os candidatos mais bem classificados, tempos depois de começarem a trabalhar em localidades distantes, vêem nos boletins de serviço o preenchimento de vagas em capitais ou boas cidades, por candidatos selecionados posteriormente ou do mesmo concurso, posicionados no final da lista de classificação. Dispensável dizer que o policial que estréia a carreira numa grande cidade raramente terá interesse na remoção para postos de fronteira.
O mais intrigante é que aqueles servidores, que já "deram o sangue nas fronteiras", como se costuma dizer no jargão policial, quase sempre, nem são consultados sobre o eventual interesse em remoções para delegacias ou superintendências melhor localizadas. Além de atender o interesse pessoal do servidor, o revezamento constante, certamente, contribuiria para diminuir a incidência de vícios e desvios de conduta de alguns policiais que permanecem por longos períodos em regiões de fronteira.
Os sentimentos naturais são de desvalorização, desprestígio, frustração, desmotivação e desinteresse, quando não indignação, revolta e até desespero. Para aumentar a frustração, os novatos não demoram a perceber que os critérios de apreciação e encaminhamento dos sucessivos pedidos de remoção passam longe daqueles clássicos princípios constitucionais. Não custa lembrar que legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, dentre outras, são requisitos de todos atos da administração pública.
Com freqüência, o que se vê são servidores acuados, quando não ridicularizados, à mercê de caprichos, humores, perseguições, simpatias ou antipatias e posturas subjetivas, por parte de alguns dirigentes de plantão. Sobre os novos policiais que ousam questionar ainda paira a ameaça velada do maior rigor nas avaliações do estágio probatório. Talvez ranço autoritário de um passado não muito distante.
O problema é que grande parte dos ditos "doutores" em matéria criminal, com raras exceções, não tem formação, treinamento, nem vocação para a gestão de pessoal. Sob o manto da hierarquia e disciplina, muitas vezes por conveniências pessoais, são os que definem ou induzem às decisões, fundamentadas nos elásticos conceitos de "interesse da administração e conveniência do serviço" dos pedidos de remoção.
É fácil constatar a total falta de critérios. Dentro outras tantas situações absurdas, pode-se citar como exemplo a remoção de um servidor lotado numa capital, para outra boa localidade, em detrimento de outro policial (às vezes, mais antigo), lotado na fronteira ou em região inóspita. Muitas vezes, servidores que trabalham no mesmo lugar obtêm respostas diferenciadas em pedidos de remoção feitos à mesma época. O critério de antiguidade, nestes casos, é simplesmente ignorado.
Não raro, enquanto vê seus pedidos reiteradamente indeferidos, sob argumentos que agridem o bom senso e a inteligência, os mesmos servidores acompanham pelos boletins de serviço os périplos de colegas mais novos, agraciados com remoções para diferentes cidades e estados da federação.
Comumente, alguns servidores considerados problemáticos, indesejados ou improdutivos são "premiados" com pareceres favoráveis nos pedidos de remoção. Este é um "critério" adotado por vários dirigentes do DPF para se verem livres de "personas non grata". No outro extremo, bajuladores e recomendados por amigos e autoridades diversas formam a categoria de alguns poucos servidores VIP, para quem remoção nunca fui problema.
Nos corredores, a pergunta mais formulada é "o que ele tem que eu não tenho?" Invariavelmente, a resposta mais ouvida é: "tem o padrinho fulano, o pistolão beltrano ou o peixe sicrano".
Muitas vezes, os nomes das eminências pardas que intercedem pelo "pupilos" são guardados a sete chaves, para não inflacionar a bolsa de remoções e não congestionar os telefones do Edifício-Sede. As ingerências extra-oficiais na tramitação dos processos, por vezes, transformam-se numa vergonha disputa de bastidores. Por ironia, de acordo com o resultado, o "padrinho vencedor" costuma esnobar seu cacife político, vangloriando-se do acesso às instâncias decisórias.
Uma rápida leitura das normas que regulam a remoção de servidores no DPF dá idéia do aparente pouco caso que a Administração parece dispensar ao assunto. Embora o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, instituído pela Lei nº 8.112/90 e alterado pela reforma administrativa de 1997, tenha trazido significativas inovações ao assunto, uma instrução normativa, vigente há mais de duas décadas (a defasada IN nº 001/79), continua regulando a matéria. Aliás, uma das poucas alterações feitas na norma é a que tem provocado as maiores injustiças nas remoções, nos últimos dez anos.
Em 1992, foram suspensos os prazos máximos de permanência dos policiais federais, numa mesma localidade: de três anos, na fronteira; oito, no Distrito Federal e dez anos, nas demais unidades da federação. Até então, o servidor que completasse os prazos tinha prioridade de remoção para localidade situada em outra Unidade da Federação e seria removido "ex officio". O remendo da IN, de uma única tacada, extinguiu a compensação financeira e, o que é mais grave, a prioridade dos policiais lotados nos confins do território nacional.
Vale lembrar que além das modalidades "de ofício" (no interesse da Administração) e "a pedido" (a critério da administração), a Lei nº 9.527/97 acrescentou um novo tipo de remoção: "a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração".
O inciso adicionado prevê, além da remoção para acompanhamento de cônjuge ou companheiro removido e por motivo de saúde do servidor ou de seu dependente, aquela que se dá "em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados".
Esta última disposição legal tem sido solenemente ignorada pelo DPF, há mais de cinco anos. A adequação poderia ser feita através de uma simples instrução normativa, como tantas outras baixadas no mesmo período.
As perguntas são incômodas, mas inevitáveis: Se a solução é tão simples por quê não se faz? Como explicar a indiferença a um assunto de tamanha importância para tantos servidores e seus familiares? Por que não eliminar a fonte de tantas insatisfações, desajustes e injustiças?
Como as explicações não estão ao alcance dos pobres mortais, cabe fazer meras especulações. Torna-se constrangedor admitir, mas a impressão que se tem é que a política de remoção no DPF parece seguir a mesma lógica do preenchimento dos chamados "cargos de confiança" no serviço público tupiniquim em geral: compadrio, amizade, favoritismo político e pessoal, tráfico de influências, disputas internas de poder etc. Tudo aquilo que compõe o já conhecido "jeitinho brasileiro", teimosa herança da nossa formação histórica.
Nesta seara, é preciso reconhecer e aplaudir as iniciativas para modificar a situação do "salve-se quem puder" da atual política de remoção. No ano passado, por exemplo, uma comissão recolheu propostas para regulamentação de um "concurso interno de remoção", nos moldes propostos pela lei. O trabalho resultou num anteprojeto, semelhante às normas vigentes há anos em outros órgãos, como Receita Federal.
Sabe Deus por quê, talvez atropelado pelas eleições e a alternância do poder ou, quem sabe, engolido pelas "forças ocultas" da burocracia, o documento deve estar - literalmente - amarelando em alguma gaveta de Brasília. Enquanto isso, uma multidão de servidores insatisfeitos, lotados a milhares de quilômetros do Planalto Central, ficam na expectativa de que, se não concretizarem as mudanças estruturais de que o País precisa, pelo menos, se elimine os privilégios e as injustiças mais próximas.
* Josias Fernandes Alves é agente de Polícia Federal, representante do SINPEF/MG em Varginha, formado em Jornalismo e estudante de Direito.
- extraído do site da FENAPEF -
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