POLÍCIA FEDERAL
ORGULHO NACIONAL


Lei do abate muda rotas do tráfico

07/01/2005

Lei do abate muda rotas do tráfico BRASÍLIA - Temendo a Lei do Tiro de Destruição, a chamada lei do abate, que entrou em vigor em outubro, os traficantes de drogas estão abandonando rotas aéreas que atravessam o território brasileiro. Segundo informação transmitida pelo Comando da Aeronáutica à Polícia Federal, houve redução de mais de 60% no número de vôos não autorizados em território nacional, próximo das fronteiras com Colômbia, Peru e Bolívia, principais rotas do tráfico.

A informação foi confirmada ontem pela Aeronáutica. O número de vôos na região, no entanto, é guardado em sigilo, segundo o Centro de Comunicação Social do Comando da Aeronáutica (Cecomsaer). O número de vôos começou a apresentar redução depois de sancionada a lei que permite a destruição de aeronaves não autorizadas que desrespeitem as orientações da Força Aérea Brasileira, segundo o Cecomsaer. Em todo o território nacional, a redução varia muito, mas a média de queda ultrapassa os 40%.

- A redução de mais de 60% no número de vôos de aeronaves não identificadas na fronteira é uma boa notícia para o Brasil - comemorou o coordenador Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes, delegado Ronaldo Urbano.

A legislação rigorosa forçou os traficantes a mudarem suas rotas para países vizinhos. Segundo informações recebidas pelo serviço de inteligência da PF, o narcotráfico tem evitado até os vôos de passagem por parcela do espaço aéreo brasileiro. Em uma das principais rotas da cocaína, os traficantes saíam com seus aviões da Colômbia, passavam pelo Estado de Roraima e despejavam a droga no Suriname, de onde o material é transportado para Europa e Estados Unidos. Com a nova lei, os traficantes passaram a utilizar a Venezuela como escala da viagem entre a Colômbia e Suriname.

Em outra rota muito usada, os traficantes traziam a droga direto da Colômbia para a região Centro-Sul, parcela distribuída em território nacional. Segundo as informações levantadas pelo serviço de inteligência da PF, a nova rota sai da Colômbia e desce pela Bolívia, Paraguai e costa do Pacífico. Grande produtor de cocaína, a Colômbia começou a produzir heroína em larga escala depois que os Estados Unidos invadiram o Afeganistão e coibiram a produção de papoula. Para o delegado Ronaldo Urbano, as novas rotas representam uma significativa mudança de comportamento do narcotráfico. A Lei do Tiro de Destruição, diz o delegado, é uma ‘‘ferramenta‘‘ muito eficaz para coibir a ação do tráfico.

- Isto vai ter uma repercussão muito grande - afirma Urbano.

A PF ainda não tem como medir o impacto da redução de vôos clandestinos no volume de droga transportada. Em todo o ano passado, diminuíram as apreensões de drogas no Brasil, em relação a 2003. A área militar recebeu informações sobre suposto aumento do tráfico terrestre na região onde houve redução de vôos. Os traficantes também utilizam os rios que desaguam na Amazônia para transportar drogas.

Segundo balanço preliminar da PF, foram apreendidas 7 toneladas de cocaína no ano passado. Em 2003, foram apreendidas 9 toneladas de cocaína. O volume de apreensão de maconha caiu de 167 toneladas no ano retrasado para 153 toneladas no ano passado. Ronaldo Urbano lembra que a greve dos policiais federais no início do ano afetou o volume de apreensões. Ele acredita, no entanto, que houve uma ‘‘estabilização‘‘ no volume de droga comercializada.

A novidade do balanço de apreensões de drogas da PF são os entorpecentes produzidos em laboratórios. Em 2003, a PF recolheu 70 mil comprimidos de ecstasy, volume que cresceu para 81 mil comprimidos no ano passado. O volume de lança-perfume confiscado subiu de 26 mil para 70 mil frascos nestes dois anos.

As autoridades responsáveis pela repressão às drogas apostam em uma redução ainda maior no número de vôos não autorizados na fronteira quando houver a primeira destruição de avião do tráfico, com repercussão internacional. Segundo o Cecomsaer, ‘‘todas‘‘ as aeronaves interceptadas pela FAB obedeceram às normas e às orientações dos pilotos. O governo também aposta no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) para conter os vôos ilegais na área da floresta.

Hugo Marques

Sem comemoração

Na contramão do governo, o ex-secretário nacional Antidrogas Walter Maierovitch afirma que não há motivos para comemorar a redução do tráfego de aeronaves suspeitas após a regulamentação da lei do abate.

- Se for verdadeiro, o dado indica apenas que as rotas do tráfico mudaram - adverte o juiz, presidente do Instituto Giovanni Falcone, que cobra a fiscalização em rios amazônicos.

Maierovitch argumenta que a lei do abate é inconstitucional, pois representa uma sentença de morte. Lembra que a medida ignora o direito de defesa e propõe a adoção de práticas ‘‘menos arriscadas e mais inteligentes‘‘ para combater o tráfico aéreo.

- Uma das alternativas é o bombardeio com tinta, para que as aeronaves suspeitas sejam identificadas após o pouso - exemplifica.

O ex-secretário afirma que o Brasil foi ameaçado pelos Estados Unidos com represálias econômicas, durante sua gestão, caso a lei do abate não fosse regulamentada. Afirma que a medida é ineficaz e faz parte da militarização do combate às drogas.

- Os resultados costumam ser falsos ou incompletos. O presidente Bush afirmou ter erradicado o plantio de coca na Colômbia, mas a produção migrou para países vizinhos como Bolívia e Peru.

De acordo com Maierovitch, o governo é ineficiente em campos mais estratégicos, como o controle das pistas de pouso e decolagem e a negociação de aeronaves.

- O Brasil é o país com o maior número de pistas clandestinas - lamenta o juiz.

O juiz lembra que o tráfico opera em escala internacional e qualifica a medida como ‘‘tática de avestruz‘‘.

- O juiz italiano Giovanni Falcone dizia que a questão das drogas era um grande quebra-cabeças. Não adianta focar apenas uma das peças.

Em 2001, o Congresso americano proibiu o Pentágono de fornecer informações sobre aeronaves suspeitas a países vizinhos. A decisão foi conseqüência de um erro de militares peruanos, que atacaram o avião em que viajavam a missionária batista Roni Bowers e sua filha de sete meses. O piloto foi metralhado nas pernas, mas sobreviveu.

No Brasil, o governo decidiu regulamentar a lei do abate após a divulgação de imagens de pilotos fazendo gestos obscenos ao serem abordados pela Força Aérea Brasileira. Em julho passado, o então ministro da Defesa, José Viegas, gerou polêmica ao afirmar que a FAB pouparia aeronaves com crianças a bordo.

Bernardo Mello Franco

Fonte: Jornal do Brasil

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais