POLÍCIA FEDERAL
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Polícia de juristas - II

13/02/2012 12:24:00

Polícia de juristas - II

 No final do ano passado, a Polícia Federal divulgou para o público interno o plano anual de capacitação de seus servidores. Dentre outras ações educacionais, está prevista a realização do inédito curso de “Mestrado Profissional em Ciências Policiais e Teoria da Investigação Criminal – 2012/2013”.

 


Com público-alvo restrito a “autoridades policiais”, muito além de ação voltada à capacitação profissional e qualificação acadêmica, o curso de mestrado proposto pela academia da PF é mais uma tentativa de autoafirmação dos titulares do cargo, que se autodenominam “classe dirigente” da instituição.

 

O objetivo geral do curso não deixa dúvida quanto às pretensões: “desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes para analisar as questões relacionadas com a polícia, com as ciências policiais e a investigação criminal sob a perspectiva da autoridade policial (grifo nosso) responsável pela conduta técnica, jurídica e gerencial do esforço investigativo criminal”.

 

É como se os idealizadores do curso, proposto pela Academia Nacional de Polícia (ANP), estivessem tentando convencer seus pares e a si mesmos que são mais aptos e merecedores (o supra-sumo da carreira policial), talvez os únicos capazes de produzir conhecimentos científicos - teóricos e práticos – relacionados à atividade policial e à investigação criminal.

 

A tentativa de reserva de mercado (ou de mestrado) dos delegados da PF também traz implícita a ideia de que o objeto da ainda incipiente “ciência policial” esteja circunscrito ao feudo das “ciências jurídicas”. Embora se saiba que o lobby político da categoria em prol do reconhecimento como “carreira jurídica” passe longe de aspirações acadêmicas e científicas, mas por interesses corporativos e salariais (ainda que legítimos).

 

Com a exclusão da possibilidade de participação de servidores de outros cargos da carreira policial - agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos criminais federais - com formação em outras áreas do conhecimento, os mentores do mestrado profissional pretendem reafirmar o suposto monopólio dos bacharéis em Direito no ramo, como se as pesquisas e os conhecimentos pertinentes à ciência policial e à investigação criminal não tivessem ou não devessem ter caráter interdisciplinar e multidisciplinar. É neste sentido que aponta a ainda escassa bibliografia sobre o assunto.

 

Apenas a título de exemplo, vale lembrar os peritos criminais, cujas atribuições, por excelência, são técnicas e científicas. Com base em análises e exames, eles exercem papel essencial nas buscas de provas numa investigação criminal. Nem precisa ser expert no assunto para inferir que os peritos criminais podem colaborar para a produção de conhecimentos relativos às ciências policiais e investigação criminal.

 

Embora ainda não tenham se manifestado publicamente sobre a polêmica proposta, não parece razoável excluir os peritos criminais da PF de um processo seletivo para o curso de mestrado profissional só porque alguns “juristas” decidiram que o programa deve ser orientado “sob a perspectiva da autoridade policial”.

 

Não é o primeiro caso de direcionamento de seleção em cursos oferecidos pela PF. Em 2010, o edital de seleção dos candidatos ao “Curso de Especialização (lato sensu) em Ciência Policia e Investigação Criminal” impôs a exigência a graduação em ciências jurídicas, num claro privilégio a ocupantes de um cargo.

 

Se mantida a esdrúxula exigência, a escolha dos alunos do mestrado patrocinado pela PF vai inovar em relação aos editais de seleção dos candidatos a cursos de pós-graduação das mais renomadas instituições de ensino superior do País. O último processo seletivo do mestrado em ciências criminais da PUC-RS, por exemplo, foi aberto a candidatos das áreas de Direito, Ciências Humanas e Sociais, Ciências Médicas e Psicologia.

 

Os processos seletivos das universidades, geralmente, incluem etapas de prova escrita, avaliação de anteprojeto de pesquisa, entrevista e análise de currículo, com critérios de análise do histórico escolar, experiência em pesquisa, publicações na área, domínio de idiomas estrangeiros. Não se tem notícia de edital de seleção curso de pós-graduação com exigência de que o candidato ocupe determinado cargo.

 

Por absurdo que possa parecer, a anomalia certamente não foi recebida com surpresa por grande parte dos servidores da PF, acostumada com outras decisões administrativas oficiais, cujos fundamentos e critérios são obscuros e passam ao largo da meritocracia ou do interesse público.

 

Razões inescrutáveis também influenciam processos para escolha de chefias, remoções, viagens com diárias e até a abertura de procedimentos disciplinares, não apenas em relação a ações de capacitação. Mas tudo sob o manto elástico e indiscutível do “poder discricionário e do interesse público”.

 

Foi o caso de dois ex-superintendentes da PF de Minas, que tiveram aprovado o custeio pela União de curso de pós-graduação em inteligência para eles próprios. Outros cinco agentes tiveram que pagar o mesmo curso com recursos pessoais, em virtude do indeferimento pela chefia, por alegadas restrições orçamentárias.

 

Noutro caso, um ex-diretor de gestão de pessoal da PF viu aprovado o patrocínio de curso de mestrado em administração pública, em instituição universitária de Portugal, na mesma época em que emitiu parecer contrário para que outro servidor fizesse curso similar, sob o argumento da falta de interesse público e da possibilidade do curso não ser reconhecido no Brasil, pelo MEC.

 

No ano passado, um papiloscopista lotado na Superintendência Regional da PF no Amazonas foi aprovado em primeiro lugar no processo de seleção do curso de mestrado em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mas seu pedido de licença foi indeferido pela Comissão de Gestão de Capacitação, sob o argumento de que a atual política da instituição em relação aos pedidos de afastamento para participação em cursos de pós-graduação, seja no Brasil ou no exterior, é a de indeferimento.

 

Logo depois, dois delegados, um deles Coordenador de Altos (ou “autos”) Estudos de Segurança Pública, da ANP, embarcaram com destino a Portugal, para uma temporada de quatro meses de estudo, depois de autorizados a cursarem mestrado no Instituto Superior de Ciências Policiais, em Lisboa, com despesas pagas pela PF.

 

Sem constrangimentos, alguns gestores da PF agem como comadres e compadres num clube social, que se elogiam, trocam presentes e favores, como se ignorassem que a administração pública deve se pautar pelos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência.

 

 PS: O primeiro artigo sobre os critérios do processo seletivo do referido curso de pós-graduação oferecido pela ANP, em 2010, rendeu ao autor a instauração de procedimento administrativo disciplinar e inquérito policial pela PF, além de pedido de indenização por danos morais (negado pela Justiça). O episódio é revelador do “ambiente acadêmico” da PF, altamente propício à reflexão e crítica, para produção independente de conhecimentos científicos. 

 

 

Josias Fernandes Alves é Agente de Polícia Federal, formado em Jornalismo e Direito, Diretor de Comunicação da Fenapef. josiasfernandes@hotmail.com

O SINPEF/MS defende os direitos dos policiais federais