Papiloscopistas sofrem injustiça sistêmica. O que se ganha com isso?
*Gilberto Clementino
"A injustiça, senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo à semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade [...] promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas. “ (Rui Barbosa)
Tenho batido nessa tecla: Somar e multiplicar (todos ganham). Subtrair e dividir (todos perdem). Não é preciso dizer que em toda a demanda, concorrência, disputa, alguém perde e cenários se descortinam à nossa volta. E quem perde, sofre. Se sente desmerecido, desprestigiado, desanimado, desvalorizado. É o caso de pensar: a melhor solução é a soma, a multiplicação (todos ganham).
Na situação específica que abordarei, ganha o servidor público policial (enquanto carreira) e ganhamos todos. Basta que sejamos justos e reconheçamos a atuação de décadas e décadas, em que os profissionais da papiloscopia, por ocasião de suas atuações periciais forenses, dão a palavra final em questões de identificação.
Sempre que ocorre um bate-papo com companheiros do Departamento de Polícia Federal e que são levantadas questões afetas aos Papiloscopistas, de imediato, vem à cabeça uma velha indagação: Qual a razão para tanta injustiça?
Gostaria e vou traçar uma imagem sobre a Instituição (muitos também usaram e usam esse argumento em temas correlatos, principalmente a admirável Marlene Webber, diplomata aposentada e presidente do Clube Internacional das Mulheres). E muito simples. Vou apenas comparar o DPF a um corpo humano, por exemplo. “Você nasce – com vida – e seus órgãos se desenvolvem, não é verdade? Desde que não exista anormalidade os membros se desenvolvem simultaneamente”. Seus braços, orelhas, pernas, mãos crescem de comum acordo. Um braço cresce, o outro também. Uma perna cresce, a outra também. Uma orelha cresce a outra, idem e assim por diante nas demais partes de seu corpo.
Em nossa Instituição se observa às vezes que um braço ou uma perna quer crescer mais que a outra, sem perceber que o todo – o corpo – ficará desajeitado, se transformando num monstrengo, num ser desengonçado. E pior: quando uma parte não consegue “passar” à frente da outra (braços e pernas, por exemplo), prefere nutrir-se à custa da própria carne – da outra, naturalmente - para atingir seus objetivos, ou seja, inibir, restringir, mutilar a outra parte e satisfazer seus desejos egoístas de prosperidade unilateral. Isso é uma lástima! Dessa forma não tem como se transformar numa Instituição organizada em carreira – orgânica - apesar do texto Constitucional. A prática revela uma face, prática, negra e difícil de contornar.
O exercício desse mecanismo biológico autofágico, nesses moldes não ajuda em nada. Definitivamente não é saudável. Não é aquela situação em que as células se digerem e se renovam, para um bem estar do todo. É uma atitude maliciosa mesmo, que perturba a Instituição e prejudica uma composição e valorização do todo, de todas as partes, de todas as categorias, vamos dizer assim.
E não tem jeito mesmo! Entra ano e sai ano, as tentativas – desgastantes – continuam. Pior, de dentro da própria Instituição. Aparecem “coisas do arco da velha”. Detalhe: nunca em favor ou contemplando os Papiloscopistas Policiais Federais. Das entranhas da Instituição, do seu âmago, surgem propostas capciosas. São instruções de serviço ou normativas, minutas de regimento interno, que violam a Constituição Federal e Portaria n° 523 que estabelece as características típicas de cada cargo ou, para ser mais claro, o tal cada um no seu quadrado...
Mas sempre observamos uma categoria querendo avançar no quadrado da outra, desdenhando a opção pelo orgânico, pelo coletivo, pelo todo. O que intriga aos operadores da segurança pública e a comunidade técnico-científica é a origem desse comportamento “raivoso”.
Se a Instituição não avança no reconhecimento da categoria como nível superior, apesar de Lei que exige escolaridade superior para ingresso, temos que observar partes da corporação que lutam para inibir esse crescimento, preferindo comportamento autodestrutivo, que não ajuda em nada ao DPF, nem ao país.
E pior e mais importante ainda. Vira e mexe temos que retornar às mesmas explicações históricas sobre a importância da papiloscopia para o país e mundo. Temos que “matar um leão” todos os dias e, ainda tem dia que nos apresentam mais de um para abate. E cada missão cumprida, exitosa, de nada adianta, fica apenas o momento.
São identificações seguras, levantamentos necropapiloscópicos, laudos periciais positivos, identificação facial humana positiva, rastreamento e positivação no Automated Fingerprint Identification System – AFIS. Os holofotes? Apenas para quem preside os inquéritos policiais ou fundamenta ações penais ou instrui suas sentenças judiciais.
Portanto, peço licença a quem me honra com sua leitura. Vou, mais uma vez, recapitular um momento da história, para que se registre e, como gosto de dizer, publique-se e num futuro próximo, intime-se e cumpra-se.
Em 1995 estávamos em Brasília (Gilberto Clementino dos Santos, Brasílio Caldeira Brant, Rosa Maria Veiga de França, Clemil José de Araújo, Wilian Moreira de Souza E Luiz Carlos de Oliveira) a convite do delegado Edson Rezende de Oliveira, que por meio de portaria n° 002/95-INI/DPF, de 30 de junho de 1995, publicada no Boletim de Serviço n° 131, de 11 de julho de 1995, convocara um grupo de trabalho para realizar estudos sobre a transformação das atividades típicas do cargo de Papiloscopista Policial Federal - nível intermediário – para atividades típicas de nível superior.
Tudo se encontra registrado oficialmente e bem nítido em minha mente. Creio, naturalmente, que também na de todos os papiloscopistas de minha geração. Não há como esquecer. Continuamos sofrendo as mesmas incompreensões que se revelam absurdas e eivadas de “argumentos” vazios. O projeto? Foi “escondido” para o bem de “todos” e felicidade geral de uns poucos.
Naquela época as considerações (argumentos) para a convocação daquele grupo de trabalho explicitavam: a atividade do Papiloscopista Policial Federal é eminentemente técnica, especificamente na confecção de Laudos aprofundados para atender principalmente o Poder Judiciário, e, também, autoridades policiais, órgãos públicos de uma maneira geral a exemplo do INSS, Caixa Econômica Federal, etc.; Laudos preliminares às pesquisas e confrontos de impressões datiloscópicas; propostas de secretarias de segurança pública de Unidades da Federação, analisadas e aprovadas pelas respectivas Assembleias Legislativas transformando a categoria de Papiloscopista em Perito Papiloscópico.
Foram 61 (sessenta e uma) páginas de um projeto que produzimos dentro do prazo estipulado, sem “comer” nem um dia há mais de diária. Queríamos e demonstramos que é possível cumprir missão dentro do prazo, exceto, em situações de gravíssima excepcionalidade. Recebemos documentos de autoridade policiais, ministério público e judiciário, apoiando o projeto em andamento, ao qual titulamos: Projeto de Transformação das Atividades do Cargo de Papiloscopista Policial Federal, do nível médio para nível superior.
Passados todos esses anos os “raivosos”, que chegaram ontem e se uniram aos de anteontem e tresantontem, continuam com sua cara de paisagem ou de pau. Preferem prejudicar o avanço e reconhecimento da categoria e da Instituição - como organizada em carreira - de nível superior, detentora de altos índices de credibilidade junto à opinião pública, patrimônio construído ao longo do tempo e pelos quais muitos tombaram. Só me resta dizer para essa turma, que se eles continuarem com esse comportamento vai faltar óleo de peroba! E nesse caso ninguém ganha nada com isso...
* Papiloscopista Policial Federal do Departamento de Polícia Federal, aposentado, graduado em Direito, autor do livro Resumo Prático de Procedimentos Administrativos Disciplinares – Instrumentos de Garantia da Cidadania. Chefiou o Núcleo de Disciplina da Corregedoria da Polícia Federal do Espírito Santo.
publicada em 27/10/2011
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